terça-feira, 23 de agosto de 2011

PUNTA TACCO COM ROBERTO AGRESTI



Os pés pelas mãos

Ao frear e acelerar ao mesmo tempo, podemos obter uma redução de marcha suave e, na direção esportiva, manter o carro em equilíbrio
Dizem dos maus motoristas: "É um bração!"Pensando bem, os braços (e seus tão especiais prolongamentos, as mãos) são apenas uma ferramenta — importantíssima, é claro — usada na intrincada arte de conduzir um veículo. E como o nome da coluna alude à famosa manobra realizada com os pés, uso tal como "gancho" para refletir sobre o "guiar com os pés". E começo com o próprio punta-tacco, expressão que em italiano significa algo como "ponta e salto", aludindo à manobra que se faz com pé direito atuando em simultâneo no freio e no acelerador. Aos que já sabem exatamente do que se trata, peço paciência, pois imagino — otimista — que haverá entre nossos leitores um garotão imberbe que, no máximo, guiou carrinhos de bate-bate em parquinho de diversão. E a esse leitor, futuro automobilista, devo a explicação.
Frear e acelerar ao mesmo tempo com o pé direito é manobra que remonta aos primeiros automóveis, que não contavam com câmbio sincronizado e exigiam um pequeno golpe no acelerador (ou a tal dupla debreagem, assunto para outro dia...) para ajudar especialmente na redução de marchas. Todavia, foi na pilotagem esportiva que de fato o punta-tacco ganhou fama, uma vez que, no delicado momento da aproximação de uma curva, o piloto se vê às voltas com não apenas a necessidade de reduzir marchas, mas também de frear forte.
E, assim, dá-lhe ponta do pé no freio e o calcanhar, boiando ali, bobão, sendo usado para os providenciais cutucões no acelerador que fazem as marchas entrarem gostosas, macias, sem causar um nocivo desequilíbrio advindo da ação do freio-motor excessivo, mitigado justamente pela providencial aceleradinha. A quem nunca tentou, acreditem: é mais fácil fazer o punta-tacco do que explicar.
Iniciado nas artes automobilísticas ao volante de Volkswagens, sobretudo Kombi e Fusca, o punta-tacco é algo que não apresentou nenhuma dificuldade para mim por conta da conformação dos pedais desses carros: os pedais de freio e embreagem estão em nível levemente superior ao do acelerador, o que facilita a realização da manobra. Lembro, porém, que logo depois de meus primeiros exercícios em punta-tacco chegou à garagem de casa um Chevrolet Chevette, que — diferente do Fusca — não tinha os pedais no assoalho, mas sim suspensos, e o acelerador praticamente alinhado ao pedal do freio. Ai complicou...
Solução? Ou entortar o pé de forma muito desconfortável, deixando-o praticamente horizontal em relação ao solo, ou... fazer um "punta-punta". Como? Aproveitando o fato da haste do acelerador do Chevette ser feita de barra de ferro razoavelmente maleável, entortei a dita cuja, aproximando-a do freio. Assim, em vez de entortar o pé, usava a parte próxima ao dedão para frear e a parte do dedinho para o acelerador. É claro que isso causou certo estresse em casa, visto que o Chevette não era meu, e sim de meu pai, que reclamou muito da alteração e me fez optar por uma solução intermediária: afastei um pouco os pedais e passei usar o lado externo do pé para o acelerador. Esquisito, mas funcionava.
Muitos anos depois, ao realizar o sonho de competir, quis o destino que os pedais a meu dispor fossem os de um... Fusca! E assim aquilo, a manobra que tanto treinei adolescente, já constava de meus "arquivos" subliminares. A título de melhoria, pedi a meu mecânico que substituísse a plataforma original do acelerador por outra, um pouco mais curta e mais larga, para exatamente facilitar o punta-tacco — que é fundamental na tocada em pista, e não só para, como disse acima, fazer as marchas entrarem mais facilmente e sem causar desequilíbrio por conta da ação do freio-motor.
Usarei um exemplo que, para todos que acompanham minimamente corridas de automóveis, deverá ser familiar: a freada para o "S" do Senna em Interlagos. Ali, em bem pouco tempo, a velocidade máxima deve ser reduzida brutalmente num breve espaço de pista. Claro que, quanto maior for a velocidade máxima desenvolvida, maior deverá ser a potência dos freios. Mas seja um Fórmula 1, seja um Stock Car, um Porsche GT Cup ou um reles Puma preparado como o meu, a situação extrema exige providências rápidas para que:

1) a frenagem seja eficaz, nem exagerada (perderia tempo) nem tímida (passar reto...);

2) não desequilibre o carro (rodar ali não é difícil...); e

3) permita voltar a acelerar o quanto antes.

Como é no Puma

Para colocar tal ovo em pé, o punta-tacco é a chave do sucesso. No caso específico do Puma (o reles Puma...), a coisa acontece mais ou menos assim: passada a placa dos 100 metros, pé no freio com intensidade média e a terceira é engatada já fazendo o uso do punta-tacco. Um nadinha antes de começar a virar o volante, já algo depois da placa de 50 metros, a pressão no freio aumenta e é engatada a segunda marcha (no caso o câmbio é o chamado "escalonado" para a finalidade, com essa segunda equivalente à terceira de um câmbio normal).
Aí, já mergulhando rumo ao ponto de tangência, o pé fica ao mesmo tempo no freio e no acelerador, de fato um "fiozinho" de acelerador, só para não deixar a traseira — já desequilibrada pela ação decidida de mudança de trajetória e a transferência de peso — ficar mais "boba" e tentar passar à frente da dianteira, causando a desconfortável rodada. Uma vez atingido o ponto de tangência, o pé escorrega de volta para o acelerador, e de uma vez. E nesse momento, se tudo deu certinho, o valoroso Puminha desce feito um rojão, traseira grudada ao asfalto, rumo à segunda perna do "S" do Senna que, se estiver bem (sem óleo...), é feito "flat", pé no fundo, colado, até a freada do lago, onde tudo se repete. Que delícia...
É claro que essa é a realidade vivenciada dentro de um carro "histórico", de corrida, mas antigo. Nos F-1, Stock, Porsches e outros, vive-se a era do câmbio sequencial, o que permite outro procedimento. O punta-tacco não mais entra como recurso para conseguir a redução de marcha e torná-la mais eficaz. Aliás, na maior parte dos casos, os pedais são tão separados a ponto de não mais possibilitar a manobra em sua forma original. Todavia, frear e acelerar ao mesmo tempo, a essência do punta-tacco, é algo usual.
Klever Kolberg, campeão do Dakar nas motos e com excelentes resultados em ralis ao passar do guidão para o volante, confidenciou-me uma vez que, somente quando conseguiu alcançar o exato controle do acelerador em conjunto ao freio, é que deslanchou para as zonas mais nobres da classificação. No entanto, visto que eu e vocês não somos pilotos (ou que, quando o somos, é apenas para diversão, não profissão), qual a graça ou vantagem de se saber fazer um perfeito punta-tacco (ou tacco-punta, sua versão invertida) no dia-a-dia?
Quaisquer que sejam nossas paixões esportivas e nosso gosto em conduzir um veículo de forma mais "alegre", exercitar os pés, e não somente as mãos, é como descortinar um novo estágio de possibilidades. Com frequência, uso o punta-tacco nas descidas de serra. Precisa? Não, não precisa, mas uma redução "macia" me causa intenso prazer: deixar o motor redondinho, no giro certo para engolir a marcha de um modo que se sente a alavanca ir sozinha para seu lugar. Parece que o câmbio "chupa" a marcha e que o conjunto de transmissão nos dá os parabéns por isso.
E na cidade, punta-tacco serve? Pilotagem esportiva na cidade não é o caso; todavia, de acordo com o modelo dos pedais de seu carro, o punta-tacco pode ser muito útil para sair em ladeiras sem fazer uso do freio de estacionamento. Certo, os mais habilidosos passam do freio direto ao acelerador, mas o punta-tacco (ou tacco-punta) pode ser útil num aclive mais pronunciado.
E não exatamente isso, mas quase isso, é usar o pé esquerdo no freio em carros dotados de câmbio automático. Geralmente quem tem carro com tal transmissão não usa o pé esquerdo para nada. De fato, ele pode ser útil na cidade nas saídas em aclives, assim como ao estacionar, segurar o freio enquanto se acelera pode tornar a manobra mais precisa sem risco a seu para-choque e ao do carro do alheio. Em garagem, para encostar o mais próximo possível do muro, parede ou outro carro, ter o pé esquerdo sobre o freio em um carro de câmbio automático é sempre uma boa garantia.
Há quem desenvolva a habilidade de frear sempre com o pé esquerdo, com a devida sensibilidade, o que permite dividir um pouco as tarefas urbanas entre os pés. Mas é algo que requer treino, pois estamos habituados a usá-lo apenas no pedal de embreagem, acionado de uma só vez — o que, se feito no freio, pode resultar desde um desconforto aos passageiros até uma interação inesperada com o carro de trás...
Enfim, aos pés o que lhes é de direito: se com nossos braços e mãos direcionamos nossos amados carros às melhores trajetórias e destinos, é certamente com os pés que os faremos poder chegar lá bem melhor.



Punta-Tacco é publicada a cada dois sábados no Best Cars (www.bestcars.com.br). Desde sempre ligado no mundo dos motores, Roberto Agresti "está nas bancas" desde 1984, tendo começado a carreira jornalística como fotorrepórter na saudosa Motoshow, que dirigiu de 1987 até 1994. Nesse período colaborou também com a revista Motor 3 e diversos anuários de Fórmula 1. "Casado" com as motos há mais de 25 anos, atualmente é editor da Revista da Moto!, mas escolheu os carros como amantes (de vez em quando também namora veleiros e lanchas...). Pilota o já lendário Puma GTE nº 22 na Classic Cup. Se descobrir a fonte da juventude, jura que vai correr no WTCC — de BMW oficial, claro.

3 comentários:

Mister Fórmula Finesse disse...

O Agresti sempre escreve muito bem, e de fato, existem carros - como o antigo uno - que imploram pelo punta tacco mesmo na cidade, tal a maravilhosa disposição dos pedais.

Marz disse...

Verdade Mr. Fórmula Finesse,
O velho Uno é bem bão pra isso, já o Palio (o 2001 1.0 Fire, pelo menos) achei ruim. Fora a disposição da pedaleira, que não é lá muito favorável, ele ainda tem uma "hipersensibilidade" no pedal do freio que atrapalha demais, é encostar nele que o bicho estanca.

Anônimo disse...

Fiat Uno , grata surpresa a posicao da pedaleira.. aluguei um a 1 ano atra e adorei o carrinho.. Notei justamente a boa disposicao dos pedais (freio / acelerador0 para o punta-taco.
Os piores carros nesse ponto geralmente sao os GM , exceto o veterano Opala.
Qdo dizem que os Ialianos fazem carros com paixao e para que gosta de dirigir e verdade.. As Alfa que ja dirigi , antigas e modernas tem a pedaleira perfeita para esse tipo de manobra!
Parabens pelo post , explicou de forma clara e simples o que parece "na teoria" tao complicado.
Ciao