quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Eu sou GASOLINÔMANO

A Alfa Romeo Giulia Super que tive por 27 anos e a vida levou...

A única razão válida para fazer isso aqui é talvez inspirar algum garoto a fazer algo diferente no país do futebol. Mesmo arriscando o rabo a ser classificado como exibido, gostaria de dizer aos garotos que vem me perguntar coisas que é valido e bom ser furiosamente apaixonado por veículos, como sempre fui. É uma coisa de não ver interesse algum em qualquer coisa que não queime gasolina, que não ronque e faça calor.

Alfa 159 4X4 no Santíssimo Lugar: A fábrica de Arese

Foi assim que comecei, lá pelos nove anos de idade. Meu pai tinha um impecável Chevrolet Styleline Sedan 1951, claro que preto e funcionando como um relógio suíço. Tratado a cotonete, em 1960 era o sonho de consumo de nossos irmãos bigodudos da praça. Eram mecânicas menos estressadas, de baixo giro, e mesmo com o conhecido sistema de lubrificação a salpico, onde o óleo é espirrado nos pés de biela, duravam muito. Não era incomum achar um carro desse com 500.000 km só tendo tido os inevitáveis preenchimentos de metal branco no eixo.
Mas foram exatamente essas características que me deram um trauma que explica os carros que tenho hoje em dia, o Mahalet e a Mahavan. Mais sobre isso adiante.

Sempre gostei de carro antigo. Há mais de 30 anos freqüento o Veteran, desde os tempos da Praça do Miguel Couto. Acho firmemente que desconhecer o passado do automóvel é não ter as ferramentas para entender o presente. Essa fissura de gasolinômano orientou toda a minha vida. Sempre foi automóvel o tempo todo, com erros como ser advogado sem diploma (nunca tive saco pros estágios e OAB).
Quem já viajou comigo sabe que não tem museu de arte, shopping ou restaurantezinho aconchegante na Rive Gauche. É museu, coleção, loja de carros ou peças, coisas de caminhão, clube náutico, autódromo, motocicleta.

Packard 1929 Bacquet by Iriarte em San Torcuato, Buenos Aires

Tenho um bom amigo, o Sanzio, que foi pra Argentina comigo em 2004. Lá pelo décimo dia perguntou: mas é só motor? Não, a loja do Louis vuitton e da Lancôme tão aí mesmo... E olha que ele gosta muito do tema, tem moto e vários carros estranhos.
Acho que ficou claro o nível de fissura por isso tudo. Vivi a vida inteira envolvido por essas coisas, inclusive com coisas obscuras. Uma delas é o fato de que o Barão Mahar foi pioneiro em imprensa náutica a motor no Brasil. Grande merda, só copiei o teste técnico da Boating, já que desde priscas eras me toquei de ter de saber falar mais de uma língua pra corresponder ao vicio. Então enquanto todo mundo fugia e aprendia no ginásio só o suficiente pra passar, eu queria ler a Bíblia, a Road & Track, e naturalmente aprendi. Também falando de sexo o tempo todo...
Assim foi com mais francês, italiano e espanhol, o que me permitiu aprender tanta coisa.

Amada Honda 500, minha por 19 anos, terceira da esquerda pra a direita

Tive muitos carros. Claro que o primeiro foi um Fusquinha. Era um 68, ganho do pai numa barretada de almoço dominical do tipo você nunca vai pass
ar no vestibular. Naquela época podia incluir no exame varias línguas e as matérias do Clássico eram humanistas, do tipo Psicologia, Sociologia e não tinha física, química ou biologia. Além disso, era possível fazer uma redação com muito valor...
Num outro domingo cheguei na frente da família toda e mostrei que não só passei como foi lá em cima na PUC e na UEG. Papai Mahar a contragosto comprou, isso em 1971, um 68 de uma vizinha com 6.000 km rodados, embora a promessa fosse de um carro zero.
Mas eu preferia o modelo mais antigo e rodei 300.000 km com ele. Viagens de final pra sumpa e muitos lugares, não era o Vital, mas passei a me sentir total. Foi aí que me entreguei aos encantos dos carros sobresterçantes com meus Cinturatos 155X15, minha trombinha, uma alavanca de cambio de Karmann Ghia e uns faróis de longo alcance. Um prazer e um conhecimento que a geração atual não tem mais, com seus carros sanitizados do tipo tudo na frente, que não exigem mais arte e sutileza para controlar. Foi uma escola.
Daí tive um JK 2150 1970. Outra escola completa, que ensinou o que era um carro europeu legal, esportivo e veloz, embora complicado e temperamental.
Não é à toa que tem na Itália um ditado que diz:
Donne e motori, gioie e dolori.
Queimava junta, ameaçava pegar fogo, deu uma apodrecida rápida em um ano, mas quando funcionava era inesquecível. Seu motor me ensinou que havia uma outra espécie de vida fora dos USA. Cheguei ate a arranjar uma namorada na embaixada da Suíça por causa dele. O primo corria rali de Alfa por lá e tinha peças inacreditáveis. Foi assim que tive uma dupla Weber 40, pistões oversize pra 2.200 cm³, coletor 4X2 e 150 cavalos.
A outra Alfa que tinha merece uma menção honrosa, especial, daquelas como se fala de um antigo amor....
Éra uma Giulia Super de 1967. 1.600, dois Webers 40 e 122 cavalos para 900 quilos. Um carro que é a expressão pura do tesão automotivo. Comprei em 1980 do paulista que a comprou de Ubaldo Lolli, o chefe da equipe Alfa Romeo Corse daqui, a Jolly Gancia do comendador Piero Gancia, famosa nos anos de ouro do automobilismo no Brasil. Parou há muito tempo e precisava de um dono amoroso e abonado para uma restauração. Mas voamos muito por esse Brasil juntos e agora ela está com o Bom Joaquim Aires.
O resto foi uma longa sucessão de Opalas quatro e 6 e Corcéis, principalmente quando descobri a MOTOCICLETA. Um amigo trouxe do Acre uma Honda 350 72 e aprendi a andar nela junto com o Lula, seu irmão. Daí foram anos de equilíbrio instável, e um longo aprendizado de que não era necessário ter uma tonelada de lata em trono de você para ser feliz. Montei uma Honda 500 Four 1973 com muita coisa que trouxe dos States e fabriquei uma motinha memorável, com dois freios a disco, um belo quatro em um, uma suspensão bem acertada, em suma, uma moto de lenha de rua muito legal. A ultima foi uma 750 que chagou no rio com um pistão quebrado que, por acaso, eu tinha. Comprei e andei muito nela também, mas era pesada e grane demais. O Boi com abóbora era mesmo a 500, uma soma ideal de motor, quadro e tamanho, uma obra de arte em metal.
Cheguei a andar entre os dez mais rápidos do Rio nos anos 70. Tive moto de 73 a 92, quando a hora das contas em uma separação dolorosa impôs que o acervo de motos tivesse que ir para um daqueles eternos fãs:
Uma Honda 500 Four braba até a alma, mais uma 750F1 e uma Kombi de peças. Foi tudo pelo ralo do amor que acabou. E tocou-se um tango argentino.
Mas ando de moto até hoje e me divirto, não com o fervor passado. Talvez seja a idade, mas hoje em dia voltei às origens e em 97 comprei um Chevrolet Fleetline coupe de 1951, uma volta em busca do tempo perdido.
Fiz dele uma tese de como a GM podia ter evoluído o carro, usando as melhores peças de cada ano de sua série( 49/54): diferencial longo de Powerglide, motor 261 de Chevrolet Brasil, 12 Volts apesar da Amizade com o Presidente Muricy, uns banquinhos individuais de Mercedes coupé e um cuidadoso acerto de suspensão e direção ajudados pelos fabulosos Michelin de Galaxie. Um carro muito legal que um dia destes fica pronto, pois sempre faltam pequenos detalhes. Aliás, diz-se que eles nunca ficam prontos mesmo...O fato é que o Mahalet éra muito mais interessante de andar no mundo moderno, sustentando 130 na estrada sem estresse, coisa que oi Chevrola de Papai Mahar não queria saber, como atestaram as bielinhas batendo em uma viagem a Sampa com o amigo que tinha Oldsmobile v8 dirigindo...
Eu