Acidente? Só com os outros
Uma “fofura”. Não importa se tem ou não dispositivos de segurança: o que interessa é o som da pesada e ar-condicionado.
Brasileiro só se preocupa com segurança veicular ao responder pesquisa. Inclui segurança entre os fatores que mais pesam na decisão de compra de um carro zero-km. Mentira. O que pesa mesmo é design, consumo, custo de manutenção e valor de revenda. Não adianta a imprensa elaborar meticulosa análise de um modelo, colocar na balança pontos positivos e negativos, espaço interno, capacidade de porta-malas, estabilidade, comportamento dinâmico e itens de segurança. A leitora vai na concessionária, vê o compacto cheio de charme e diz “Mas que fofura” e fecha o negócio….e nem o maridão, que diz entender do assunto, se preocupa também com a segurança.
A tal “fofura” só tem airbags e freios ABS, pois são obrigatórios. Fosse possível, seriam trocados por um som da pesada, ar-condicionado e rodas de liga leve. No caso de um acidente grave, morreria com todo o conforto…
No Brasil, tem carro campeão de consumo, segurança (“crash test”) e índice de reparabilidade do Cesvi (custo do reparo de pequenas batidas). Mas não é sucesso de vendas porque “não é bonitinho”.
Outro dia, um vizinho do condomínio onde moro veio reclamar comigo que deu um golpe no volante de seu Corolla para desviar de um cachorro que atravessou a pista. O carro deu um “cavalo de pau”, saiu da estrada e bateu num barranco. “O ABS não deveria evitar a derrapada?” ele perguntou. Foi difícil explicar o que faz o ABS, o que faz o ESC, o controle eletrônico de estabilidade. Que seu Corolla, mesmo sendo o mais sofisticado da linha, tem o ABS, mas não tem o ESC nem como opcional. E talvez só venha a ter o dia em que o dispositivo também se tornar obrigatório no Brasil. A Toyota deve estar certa: para que instalar um equipamento que ninguém exige e nem sabe do que se trata? “ESC é só para quem se arrisca em curvas feitas em alta velocidade” interfere um amigo do vizinho, mesmo sabendo que o Corolla estava numa reta asfaltada e seca.
Por falar em condomínio, eu vejo passar por aqui, com freqüência, pai ao volante com o filho no colo. Tenho gana de gritar, xingar e acusá-lo de criminoso em potencial. Mesmo na vez (primeira e última) que observei polidamente o risco que ambos corriam, ouvi que o filho era dele e que eu não tinha nada com isso. Que ele estava devagar dentro do condomínio, sem outros carros em velocidade, nenhum risco. Mais um da turma do “acidente só acontece com os outros”.
E, quando o filho não está no colo, atrás do volante, está com dois ou três irmãos ou amigos aboletados na traseira do hatch, da perua ou do utilitário esportivo (SUV). Ou seja, os engenheiros da indústria automobilística investem milhões de horas e dólares para que a carroceria tenha uma absorção programada das forças provenientes do impacto frontal ou traseiro. Na frente, a região do motor é mesmo projetada com baixa resistência para absorver o choque, desviar as forças da batida para as laterais e proteger o habitáculo de passageiros. Mesmo projeto no porta-malas: se sofre um impacto, funciona como uma sanfona, encolhe e evita (ou reduz) que as forças resultantes atinjam a cabine. Se houver danos, que sejam nas eventuais valises dentro do porta-malas. Os engenheiros jamais imaginariam que pais fossem suficientemente irresponsáveis para deixar os filhos serem transportados no local projetado para oferecer menor resistência e encolher no caso de impacto traseiro…
BF
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