sábado, 13 de setembro de 2014

No tempo em que o trivial era luxo - por Jason Vogel

Itens que hoje são comuns já foram anunciados como grandes inovações.

Você acha os carros atuais pouco equipados? Torce o nariz para anúncios que apresentam Bluetooth como vantagem e pensa que todos os automóveis já deveriam trazer este tipo de conectividade? Pois pesquisar a publicidade de um passado remoto traz surpresas. Em propagandas com muito texto e nenhuma fotografia (apenas ilustrações), vemos que características técnicas hoje triviais já foram vendidas como enormes vantagens. Mostramos aqui alguns reclames publicados em O GLOBO entre meados dos anos 20 e o início dos anos 50.


Um dos anúncios mais surpreendentes é o que alardeia o Chevrolet 1929 como "completamente equipado e prompto para a estrada". Leia-se: o carro trazia um estepe, dois para-choques, quatro amortecedores e... nem era preciso pagar a mais por estes itens!


Já a eterna rival Ford apregoava "freios nas quatro rodas" e "fechaduras contra roubos" como grandes vantagens ao lançar seu Modelo A, em 1928. Explica-se: em seu antecessor, o Modelo T, os freios atuavam apenas no eixo traseiro. Trancar o carro com chave era novidade — em geral, uma travinha tipo pino bastava.



Avançamos um pouco no tempo e encontramos um anúncio do Chevrolet Pavão 6, de 1933. Um de seus modernos apelos era o "controle de ventilação", algo que, mais tarde, chamaríamos de quebra-vento. Segundo o texto, esta "innovação" evitava a entrada de vento e chuva "sem prejudicar a ventilação ou provocar resfriados".

Outro detalhe no mesmo reclame do Chevrolet 1933 chama a atenção: é o "octane-selector", que permitia alterar o ponto de ignição para obter o melhor rendimento com combustíveis de diferentes qualidades — "mesmo o álcool-motor", enfatizava. Era praticamente um flex da Era Vargas, quando houve esforço para estimular o uso do etanol misturado à gasolina.


Carros com tração dianteira e motor transversal hoje são imensa maioria. Mas, em 1938, ainda eram uma excentricidade técnica que precisava ser bem explicada. A alemã DKW, pioneira no assunto, descrevia como "systema de tracção dianteira, sem eixo transmissor. Motor, embreagem e differencial num bloco único". Mas a ênfase do anúncio era a economia, já que o carro conseguia fazer frugais 14km/l.


Falando em transmissão, a Oldsmobile publicou uma "Apresentação especial" de seu modelo 1946 com câmbio automático — novidade que gerava desconfianças e ainda levaria décadas para ser bem aceita no Brasil. O nome "Hidramático" vinha do pioneiro sistema "Hydra-Matic", marca registrada da General Motors. E o texto exclamava: "elimina completamente o pedal de embreagem!".


Ainda na euforia do pós-guerra, chegaram ao Brasil os primeiros Jeep para civis, em 1947. Para explicar a novidade ao público, esses veículos eram expostos nas lojas de forma inusitada: içados por uma corrente, de maneira que os clientes pudessem ver que havia diferencial não apenas no eixo traseiro como também no dianteiro.

E, nas ilustrações das propagandas publicadas por aqui, o "carro mais útil do mundo" também era mostrado meio de baixo. "A propulsão nas quatro rodas garante-lhe segurança de tração nos campos". Como fora de estrada não era brincadeira de fim de semana, o anúncio sugeria as funções do Jeep: "Ara a terra, destorrôa, semeia, ceifa, colhe, pulveriza pomares...".


A construção das carrocerias também era citação comum na publicidade. Primeiro nos anos 20 e 30, quando as estruturas de madeira foram substituídas por armações de metal. Depois, em 1949, a Nash passou a alardear um pioneirismo: o monobloco. Chassi e carroceria passavam a formar um só corpo, que a marca chamava de "Uniscópio". As vantagens, segundo o texto, eram um carro mais seguro, com mais espaço e visibilidade.

A carioca Bramocar, que importava os ingleses Morris, passou a trazer da Alemanha, no início dos anos 50, o compacto Goliath GP700 com "injeção de combustível na câmara de explosão". Sim: este foi o primeiro automóvel do mundo com injeção de gasolina diretamente na câmara de combustão, uma tecnologia desenvolvida pela Bosch.



Curiosamente, na propaganda de 1954, essa informação está perdida entre os dados do modelo. Passados 60 anos do anúncio do pequeno Goliath, vivemos tempos de "downsizing" de motores e os fabricantes alardeiam a injeção direta como uma avançada solução tecnológica.

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