sábado, 20 de setembro de 2014

As vidas do gato - por Jason Vogel

Levamos o Jaguar F-Type R a um encontro com seu inspirador, o E-Type cupê

Por Jason Vogel e Fotos por Diego Speratti


Estou ao volante de um carro trivial, no trânsito da Barra da Tijuca, e sigo de perto o Jaguar F-Type R. Acredite: esta é uma das maneiras mais interessantes de se fruir o superesportivo inglês que chegou recentemente ao Brasil.

O destaque de qualquer versão do F-Type é o som que sai pelas bocas do escapamento. É um grito de besta agrilhoada cada vez que se acelera, seguido por pipocos a cada tira o pé. Lindo! E foi pensado para ser assim: emoção auditiva para fazer frente à perfeição técnica e sobriedade dos Porsche 911 atuais.

Parece som de carro de corrida dos anos 60, daqueles que queimavam rico e soltavam labaredas infernais pelos escapes e deixavam o ar impregnado com perfume de gasolina boa.

"Nosso" F-Type R tem um V8 de cinco litros com compressor mecânico — mas a eletrônica amolda este monstruoso motor às exigências ambientais de hoje. Assim, foi preciso um truque para reproduzir sensações auditivas pretéritas.


No console dos F-Type fica a tecla mágica. Posição 1, e o gato ronrona de maneira contida. Já a posição 2 abre válvulas dentro do gigantesco abafador do escape e faz reverberar o rugido do Jaguar. Não é um barulho incômodo, mas um timbre vivo, intenso e variado.

Agora estamos em São Conrado e vem a segunda sensação do dia: impotência. O Jaguar está emparedado por Corollas e Palios e seus 550cv do são inúteis na imobilidade do engarrafamento. Resta a quem está de fora apreciar o estilo do carro.

Apresentado inicialmente como conversível, o F-Type agora também é importado na forma de um cupê. Quem o segue de perto percebe a beleza de sua carroceria larga e baixinha.


As lanternas estreitas e compridas copiam as luzes traseiras do Jaguar E-Type Série I (1961-1968). Quase tudo no cupê recém-lançado, aliás, foi desenhado para evidenciar o parentesco com o antepassado.

Isso fica bem claro quando chegamos à Avenida Niemeyer. O caimento da tampa traseira do F-Type e o formato de sua vigia ocupam meu campo de visão. Vem à mente uma sessão do Roxy, em 1987. O filme era "Nenhum passo em falso" (52 Pick-Up) e Roy Scheider dirigia um E-Type 1965. Digressiono.

Mesmo pintado num discreto tom grafite, o F-Type causa comoção. Perto do Vidigal, garotos com uniforme escolar gritam de euforia, apontam e correm para acompanhar o Jaguar.


De um Honda City, tanto o motorista quanto quem vai no banco de trás tiram fotos com seus celulares. Na Avenida Delfim Moreira, argentinos em um VW Bora com bandeirão do San Lorenzo fazem sinais, emparelham e saem pelas janelas propondo uma troca de carro.

Hora de dirigir o F-Type. Aperta-se o botão de partida e o V8 desperta como trovão. As saidas de ar do painel se levantam.

O interior do F-Type R é uterino, com bancos concha e a possibilidade de vários ajustes elétricos de assento e volante. O Jaguar não chega a vestir tão bem quanto um Porsche 911 atual (ou ter tanta qualidade nas forrações), mas é acolhedor e não cansou em um bate e volta entre Rio e Petrópolis.


O console alto e envolvente afasta o carona. Outra: a cabine do cupê moderno não prevê espaço para mochilas ou bolsas. Qualquer volume deve ser levado no exíguo porta-malas.

O "R" no nome se refere ao mais brabo (e caro) dos F-Type. Para fazer jus aos seus 550cv, é preciso pagar R$ 662 mil...

As versões mais vendidas da linha F-Type têm motor V6, também com compressor mecânico, e rendem 340cv. Custam R$ 426.300.

Mas é o "R" que tem poder que não acaba. Numa curva fechada, dose bem o acelerador, para não despejar de uma só vez, sobre as rodas traseiras, os 69,3kgfm de torque!


As acelerações são de carrinho de montanha russa ladeira abaixo, mas não pense que o F-Type R é bruto com quem o usa. A direção não exagera no peso e o câmbio é automático de oito marchas.

Na subida de serra, vá regendo a sinfonia do motor pelas aletas do câmbio atrás do volante. E, de vez em quando, tire o pé para ouvir o borbulhar do escape. Numa tocada alegre, os Pirelli P-Zero têm borracha de sobra para segurar o carro.

Cansou? A 100km/h, em oitava marcha, estamos a apenas 1.200rpm. Usando com parcimônia no trânsito e na estrada, chegamos à média de 7,4km/l.

Imaginávamos que seria complicado dirigir o F-Type no dia-a-dia. Qual nada. É um carro até amistoso quando levado suavemente. Basta se acostumar à largura da carroceria para ser feliz. Seu pronunciado bico passou pelo teste da rampa de garagem e o fundo não arrastou nos quebra-molas.

Chegava a hora de procurar um autêntico E-Type cupê dos anos 60 para fazer uma sessão de fotos e o teste de DNA.

Pergunta daqui, busca de lá, encontramos o dr. Mário Galvão, cirurgião que viveu muito anos na Inglaterra e ama os carros daquele país. Há 29 anos, ele é o feliz proprietário de um E-Type Série II vermelho, ano 1969, com carroceria tipo 2+2 (é 23cm mais longo do que a versão cupê "normal").


Tirar a capa que cobre o carro já emociona. O que se vê são proporções dramáticas se comparadas às do "neto". O modelo dos anos 60 tem mais delicadeza nas linhas. Seus para-lamas não são tão largos mas, o capô comprido impõe respeito. Não à toa, Enzo Ferrari descreveu o E-Type como "o carro mais bonito já feito".

O clássico motor XK de seis cilindros em linha acorda com seu som metálico. Quem levantar o capô gigante (que forma uma só peça com os para-lamas dianteiros), verá metal brilhante e ouvirá o som de aspiração. Mecânica pura.

O modelo de 1969 tem teto bem alto e o para-brisa enorme ilumina a cabine. Além disso, por ser um 2+2, o E-Type 1969 tem espaço atrás dos bancos para levar pequenos volumes. Sua posição de dirigir, contudo, segue a antiga escola inglesa. Só encontra posição ideal quem tem braços longos e pernas curtas.


— Mas esse Jaguar novo é claustrofóbico! — espanta-se o dr. Mário.

Disto discordamos. Mas apenas o modelo dos anos 60 traz o cheiro de Jaguar: um intenso perfume de couro Connolly, misturado aos aromas de madeira. Mesmo de olhos vendados, alguém que entre em um E-Type saberá que está em um modelo da marca inglesa.


Isto, infelizmente, se perdeu com o tempo: o F-Type é quase inodoro.


FICHAS TÉCNICAS:

Jaguar E-Type 2+2 série II (1969)

Origem: Inglaterra
Motor: a gasolina, seis cilindros em linha, aspirado, três carburadores SU de corpo duplo, 4.235cm³, potência de 269cv (a 5.500rpm) e torque de 39,1kgfm (a 4.000rpm)
Transmissão: câmbio manual de quatro marchas. Tração traseira
Suspensão: Independente nas quatro rodas
Freios: a disco nas 4 rodas. Traseiros "inboard", com discos montados junto ao diferencial
Pneus: 185 VR 15
Dimensões: 4,68m (comprim.) e 2,66m (entre-eixos)
Peso: 1.422 quilos (versão 2+2)
Desempenho: 0 a 100km/h em 7,4s e máxima de 230km/h
Consumo: 6,8km/l (média cidade/estrada)

Jaguar F-Type R coupé V8

Preço: R$ 662 mil
Origem: Inglaterra
Motor: a gasolina, V8, injeção direta, compressor, intercooler, 5.000cm³; potência de 550cv (a 6.500rpm) e torque de 69,3kgfm (a 2.500rpm)
Transmissão: câmbio automático com oito marchas. Tração traseira
Suspensão: independente com triângulos sobrepostos nas quatro rodas
Freios: a disco nas 4 rodas
Pneus: 255/35 R20 na frente e 295/30 R20 atrás
Dimensões: 4,47m (comprim.) e 2,62m (entre-eixos)
Peso: 1.650 quilos
Desempenho: 0 a 100km/h em 4,2s e máxima de 300km/h
Consumo: 7,4km/l (média cidade/estrada) Medição CarroEtc



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