Ford e Renault: caminhos cruzados
Com um passado que as uniu e separou, as duas marcas hoje
disputam um importante segmento com EcoSport e Duster
Por Roberto Agresti
O telefone toca. Uma amiga de longa data dispara a pergunta à queima-roupa: “Compro um Duster ou espero o EcoSport?”. Ai, ai, ai…
Quem como eu trabalha analisando carros e motos há décadas está acostumado a esse tipo de consulta, frequentíssima por sinal. E, em que pese a boa vontade em ajudar, em dividir as informações que a profissão exercida me faculta, a escolha de um veículo é sempre algo muito pessoal, e a resposta a esse tipo de questão, delicada.
Um ex-amigo (sim, os tenho…) contou que uma vez, bons anos atrás, um casal de amigos lhe perguntou qual era o melhor 4×4 compacto do mercado. Sem titubear, meu “ex” aconselhou o Chevrolet Tracker, de fato um Suzuki Grand Vitara com a gravatinha da marca da GM na grade. Tempos depois o casal veio-lhe tomar satisfações de mau modo: não porque o Tracker tivesse dado problemas, mas sim porque, na hora de vender, descobriram que o Suzuki disfarçado de Chevrolet era menos valorizado e tinha menor liquidez que o outro 4×4 cogitado por eles. Diante da interpelação, a defesa foi simples: a pergunta do casal foi qual o melhor 4×4, e não qual o 4×4 bom de loja. Saída pela esquerda…
Volto a minha amiga, que não quero de jeito nenhum que vá para a prateleira dos “ex” amigos: o que responder a ela? Não é muito difícil, ou seja: “Espere, querida, o EcoSport ainda não está nas concessionárias e eu não andei nele. Quando tiver andado, voltamos a conversar…”
Satisfeito por ter empurrado com a barriga a responsabilidade de emitir um juízo com consequências imprevisíveis, comecei a pensar no momento vivido pelas duas marcas em questão em nosso mercado. Ford e Renault estão perto uma da outra, bem atrás da líder Fiat, da segundona VW e da GM. Esse ranking certamente não agrada à Ford, que um dia já competiu ombro a ombro com a GM pelo segundo lugar, antes da incrível escalada da marca de Betim, MG, em nosso mercado.
Já para a Renault, que chegou ao Brasil bem depois de todas essas — começou a fabricar aqui em 1998, cerca de seis anos após o início como importadora —, ocupar o quinto lugar nas vendas depois de pouco mais de uma década deve ser razão de orgulho, um grande mérito. O curioso é lembrar que o carro de maior êxito da Ford no Brasil por pelo menos 15 anos foi o Corcel, de fato, um… Renault!
Ovos de ouro
Lançado no fim de 1968 em versão de quatro portas e mais tarde com duas, o Corcel foi uma espécie de galinha dos ovos de ouro da marca estabelecida inicialmente no bairro do Ipiranga, em São Paulo, e que depois migrou para São Bernardo do Campo, SP, quando absorveu as operações da Willys-Overland — que aqui produzia o Jeep, o Aero Willys e o Dauphine/Gordini, estes sob licença da marca francesa.
E foi justamente ao abraçar a Willys que a Ford encontrou, quase prontinho, o projeto M, que vinha a ser uma adaptação do francês Renault 12 para o mercado nacional. Inteligente, em vez de arremessar o trabalho ao lixo, a Ford encampou o projeto, batizou o carro de Corcel (que esteticamente ficou bem mais bonito que o Renault 12) e foi feliz à beça com a empreitada. Vendeu aos montes, criou uma segunda geração em 1977 e fabricou derivados do modelo — a perua Belina, o sedã de luxo Del Rey, a picape Pampa — até 1997, ou seja, por quase três décadas desde o modelo original.
Mesmo quando parou de fabricar os últimos automóveis da linha — o Del Rey e a Belina —, em 1991, a Ford não “largou o osso”, pois permaneceu ainda um bom tempo usando motores derivados do projeto original Renault de 1962, bem rearranjados, batizados de CHT. Tal motor não só foi usado no Escort, como também — olhe que jurássico exemplo de globalização — na linha Gol da Volkswagen, um fruto do obscuro tempo da Autolatina, a espúria associação entre Ford e Volkswagen no Brasil e na Argentina.
Volto ao tema Ford-Renault: curioso esse momento da história que vê duas marcas com o passado tão entrelaçado se digladiando pela honrosa quarta colocação em nosso mercado. E curioso também é verificar que a mais recente arma da Renault nesse combate, o Duster, segue uma fórmula que a grosso modo foi criada pela Ford: usar a plataforma de um carro compacto para criar um pequeno utilitário esporte. Do mesmo modo que o EcoSport nasceu do Fiesta, o Duster vem da família Logan/Sandero.
O novo EcoSport que chega ao mercado agora em setembro é uma forte aposta da Ford, na esperança de reavivar o vibrante sucesso em nosso mercado que foi sua primeira geração, surgida sem concorrentes, sozinha na praça. Agora a aterrissagem da novidade Ford encontrará na pista o Renault Duster, que vem em boa carreira, forte de versões variadas e um desenho que caiu no gosto brasileiro.
Antes plasmadas no Brasil por obra do destino, Ford e Renault agora são fortes antagonistas na luta pelo importante quarta colocação no ranking dos fabricantes de veículos. Quem sabe em breve eu possa ajudar uma ou outra a avançar mais um pouquinho, respondendo à pergunta de minha amiga…
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