terça-feira, 24 de janeiro de 2012

PUNTA-TACCO COM ROBERTO AGRESTI






Outros tempos

Novas gerações parecem desinteressadas em carros e motos, transformados em meros instrumentos para se ir e vir


Do Natal até praticamente a metade de janeiro passei longe dos meus tão amados veículos, que me ocupam profissionalmente há quase 30 anos. A isso se dá o nome de "férias".

Senti falta deles? Temo dizer que não, pois sabia que logo, logo voltaria a estar, como de hábito, dentro deles ou montado neles. Pertenço felizmente àquele espécime de aficionado que sabe se aficionar por outras coisas que não tenham rodas, falar e pensar sobre generalidades do mundo sem motores e, ainda assim, ser feliz.

Todavia, nesse tempo de descanso continuei fazendo algo que faço o ano inteiro, todo dia, praticamente o tempo todo: li muito. Só que dessa vez, no lugar de ler fichas técnicas, estéreis textos de releases anunciando a última maravilha do fabricante X ou Y ou brilhantes (e nem tanto...) divagações de colegas sobre autos e motos, li dois bons livros.

O tema? Nem de longe "cheiravam" a motores. Um versava sobre os anos 1920 em Paris, época de criatividade afiada e loucuras idem. O outro sobre o nascimento da Bossa Nova no Brasil, no fim dos anos 50. Resumindo, livros sobre tempos passados, a recente história contemporânea, muito bem escritos.

Apesar de não me considerar (muito) velho, usarei o título da autobiografia do poeta Pablo Neruda para exprimir meu sentimento após tais leituras e decorrentes reflexões: "Confesso que vivi".

Sim, ter passado dos 50 um trio de anos e ler sobre uma época que não vivi (os anos 20 em Paris) e outra em que vivia com fraldas (o fim dos anos 50...) me fez refletir sobre a mutabilidade de épocas, em como as pessoas são — óbvio — influenciadas pelos fatos de seu período, aquilo que coloquialmente etiquetamos usando a frase "no meu tempo...".
No "meu tempo", que é agora, mas que também foi 10, 20, 30 ou especialmente 40 anos atrás, o transporte individual — o carro ou a moto — parecia ocupar um espaço diferente nos corações e mentes das pessoas de minha geração. Constato que hoje o anseio dos jovens sobre o meu (nosso) bom e velho tema, os veículos, me parece bem menos apaixonado, distante e, por que não, até meio blasé.

Nesse julgamento sobre gerações mais novas que a minha, me ajudou a observação direta de duas garotas e um rapaz (filha e sobrinhos), com idades de 17, 20 e 22 anos e — oh, céus! — nada interessados em carros, motos ou o que quer que seja. Refleti da forma clássica, me olhando no espelho, sobre como eu era com tal idade. Como eram meus amigos e amigas nessa fase que marca o fim da adolescência e início da idade adulta?

Ao menos no grupo que me cercava, tenho a certeza que o veículo, tivesse quantas rodas tivesse, representava muito mais do que hoje para a maior parte dos jovens. Para os que viveram seus verdes anos na metade dos 70, carros ou motos eram sinônimo de liberdade, conquista, afirmação, enquanto — presumo — atualmente são sinônimo de despesa, de agressão ao meio ambiente e de problemas com a lei. O glamour do motor, sinto informar, me parece que "já era" entre os jovens de hoje.

Portas para o infinito

Às vésperas de ter os fatídicos 18 anos, eu sonhava com o dia de redenção, no qual teria aquele passaporte com três letras que me levaria à felicidade e ao mundo. Então, a CNH, Carteira Nacional de Habilitação, representava quase tanto quanto outras três letras — LSD — para um membro do Flower Power, crentes de que o ácido lisérgico do professor Timothy abriria as portas para um estado de percepção alterada, no qual a verdade suprema se revelaria.

Para nós, ter a CNH e o consequente veículo franqueado por ela (para quem tinha grana para ele, bem entendido...) representava a abertura das portas para o infinito. Para alguns essas tais portas se escancaravam; para outros, menos.

No meu caso deu coluna do meio: não ganhei um carro ou moto quando fiz 18, mas pude usar o Fuscão da casa, o carro único da família, para aventuras "geniais" como descer e subir a Serra do Mar pela Via Anchieta um par de vezes em uma mesma madrugada de um sábado qualquer. E para quê? Pelo puro prazer de estar guiando, dirigindo, pilotando um veículo.

Hoje o "approach" é bem outro. Nem pior, nem melhor. Outro.

O carro ou a moto são elementos mais comuns, popularizados, e não instrumentos de liberdade. São vetores que levam humanos do ponto A ao ponto B. Máquinas que, em que pesem os dispendiosos esforços dos departamentos de marketing e agências de propaganda, não merecem tratos de paixão.

Estou enganado? Minha amostragem é tendenciosa? Temo que não.

Talvez o carro e a motocicleta tenham finalmente assumido seu devido lugar em um universo no qual outros valores e importâncias sobrevieram, "soprando-lhes" o posto de objetos animados/inanimados do desejo. Talvez o jovem de hoje não precise do veículo, qualquer que seja, para a expressão de seu eu, seja ele qual for.

Não há culpa nisso. Mas há origem e nela estamos nós, a geração dos adoradores do motor, pais dessa tribo que habituamos no bem-bom, de maneira comportada, levando-os cá e lá, diligentes motoristas de filhos que jamais transgrediram como fizemos nós, roubando chaves para voltas alucinadas no quarteirão, enquanto nossos velhos tiravam a soneca pós-almoço de domingo.

Findas as férias, de volta a um volante e divagando sobre o desinteresse de Franco, Júlia e Giovanna sobre assumir volantes e guidões em primeira pessoa, sobre o conformismo de sentarem no banco traseiro com seus narizes e orelhas enfiados em Ipods e celulares, em trilhas sonoras de baladas e no Facebook, parei em um posto de gasolina.

Ao meu lado, na bomba, cinco belas motos. Nem tão grandes assim, mas carregadas de alforjes. Nelas não estava nenhuma juventude, mas sim a maturidade — gente de minha geração pegando a estrada, talvez fazendo o que queria ter feito quando tinham os tais verdes anos, 20, pouco mais, pouco menos, mas que por n razões não puderam.

Talvez Franco, Júlia e Giovanna, que poderiam estar nessas motos agora (mas que preferem viajar via wireless...), sejam acometidos de um sentimento retrô daqui a décadas e realizem esse tipo de viagem-aventura, que então soará algo vintage. Mas desconfio de que esse tipo de sonho easy rider pertença à nossa geração, e não à atual. Os tempos, afinal, são outros.

3 comentários:

ramazzotti disse...

Agora, vai explicar pra essa molecada de hoje o que era "mexer no carburador", "furar o escapamento", entre outros truques pra deixar o Fuscão envenenado.Punta tacco então?

Fernando Alniezi disse...

Excelente texto!
Mas acho que nasci em época errada, tenho 23 anos e tenho prazer por essas mesmas vontades que tu descreves.
Vontade de pegar um carro ou moto e sair por aí sem rumo, mas infelizmente a vida hoje nos guia para ter carro apenas para necessidade, pelo menos no meu caso, onde meu salário vai todo na faculdade e não sobra dinheiro para bancar viagens, onde se gasta mais com pedágio do que com gasolina.
Talvez "amanhã" eu seja esses "senhores maduros" que hoje desfrutam do prazer em guiar estrada afora.

Unknown disse...

Hoje o Andre Dantas do Autoentusiastas, fez um post que da uma dica à respeito do assunto aqui tratado, ele fala do custo de se ter um carro hoje.Umautomóvel nos dias atuais são sinônimos de despeza e dor de cabeça. http://autoentusiastas.blogspot.com/2012/01/virando-casaca.html