sábado, 16 de julho de 2016

Big Jato, o Fenemê artista por Jason Vogel


O roteiro de “Big Jato” (em cartaz no Rio) pedia um Fenemê. O filme, afinal, é uma adaptação do livro homônimo do jornalista Xico Sá, onde não faltam referências ao caminhão da Fábrica Nacional de Motores.

— É um livro sobre barulhos como o do Fenemê do meu pai, que, como escrevi, parecia gemido de dor da terceira doença venérea — conta Xico.

A ligação sentimental do escritor com a marca vem de longe. Reza a lenda familiar que
seu avô, o caminhoneiro João Patriolino de Menezes, batizou os filhos em homenagem à fábrica criada na Era Vargas.

— Todos tinham nomes com as iniciais FNM: meu pai Francisco Nildemar de Menezes, e meus tios Francisco Naidson de Menezes, Francisca Neuzanir de Menezes, Francisco Nelson de Menezes, Francisca Neide de Menezes — enumera Xico.

Mas as filmagens estavam para começar e nada de a produção achar um Fenemê que pudesse ser transformado em caminhão limpa fossa para dividir cenas com Matheus Nachtergaele (no papel de Francisco pai) e Rafael Nicácio (Francisco filho).

— Chegamos a encontrar um no interior de São Paulo, mas trazê-lo até Pernambuco seria um gasto medonho — conta Claudio Assis, diretor do filme.

Já estavam desistindo do FNM e pensaram em comprar qualquer caminhão velho, já que o mesmo seria incendiado ao fim das gravações (spoiler!). Discutiam o assunto em um bar de Casa Forte, no Recife, quando um garçom ouviu o papo e deu a indicação de um colecionador em Gravatá, município a 85km da capital pernambucana.

— Fomos lá e encontramos o Sonho de Criança, um museu particular incrível que tem desde carros antigos até tanques militares — diz Camila Valença, produtora do filme.

O FNM estava impecável e muito original. Um D-11.000 com chassis V4 (ou seja: 4,4m de entre-eixos), cabine standard, ano 1959, no tradicional verde-seda da Fábrica Nacional de Motores.

— Comprei esse caminhão em Teresina, tem pra mais de 15 anos. Restaurei motor, cabine e freios. Ficou bom — orgulha-se o colecionador José Ferreira da Silva, mais conhecido como Seu Deto da Pipoqueira (também proprietário da fábrica de Pipocas Gravatá, daí a alcunha).

Seu Deto liberou o caminhão sem custos, mas com uma condição: Carvalho, um assistente dele, deveria acompanhar todas as filmagens.

— Seu Deto foi um tremendo parceiro, e o Carvalho acabou se engajando na equipe ao longo das três semanas de filmagem — elogia Camila.

Aí foi preciso transformar o FNM em limpa-fossa. Assis e Seu Deto saíram por Gravatá até encontrarem um castigado tanque de caminhão-pipa. Como o D-11.000 de Seu Deto não tinha carroceria (era exposto no museu só com chassi e cabine), a adaptação foi simples.

“Big Jato” foi rodado em povoados dos municípios de Pesqueira e Venturosa, no Agreste Pernambucano, que faziam as vezes da fictícia Peixe de Pedra. Ainda havia um problema a resolver: fortão, Carvalho (vulgo “Cavalo”, pela compleição robusta) não poderia ser dublê de Matheus Nachtergaele (1,63m de altura) nas cenas ao volante.


— Foi maravilhoso. O Matheus fez questão de dirigir o FNM. Aquilo é complicado, tem que trocar as marchas no tempo e, ainda, o freio a ar, mas ele aprendeu! — conta o diretor do filme. — Uma das cenas pedia que ele cruzasse uma porteira. Sobrava um palmo de cada lado e pensei que teríamos que pagar o conserto do caminhão... Fizemos várias vezes e o Matheus passou bem em todas.

No fim, deu tudo certo.

— O Fenemê funcionou ótimamente bem e o devolvemos intacto — afirma Camila.

Mas e a cena do incêndio?

— Aí foi efeito especial, com bujões de gás. Filmamos e, depois, os bujões foram recortados pela finalizadora de pós-produção — revela Assis.

Das referências à Fábrica Nacional de Motores presentes no livro, sobrou uma fala em que Francisco pai conta ao filho sobre o fim da estatal.

— O filme é sobre sonhos, e acaba recuperando um pouco da utopia de criar a FNM, uma marca brasileira — explica Xico.

Terminadas as filmagens, porém, não houve muito espaço para sentimentalismo. Enquanto o filme “Big Jato” ganhava prêmios em festivais de cinema, o FNM ator voltava ao anonimato. O tanque cenográfico foi desmontado e vendido por Carvalho. Cansado da trabalheira de cuidar dos veículos antigos, Seu Deto resolveu se desfazer da coleção — e o FNM foi um dos primeiros a encontrar novo dono.


Hoje, o Big Jato das telas mora em Petrópolis, pertinho da antiga Fábrica Nacional de Motores de onde saiu, zero-quilômetro, há 57 anos.

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