Por mais que tenha evoluído desde sua invenção, o automóvel ainda é totalmente irracional.
Automóvel foi idealizado como meio de transporte. Mas logo, logo virou objeto de paixão, prazer e status. Surgiu como vilão no final do século 19, mas foi transformado em herói e cantado em prosa e verso no século passado. Evoluiu em segurança, eficiência e versatilidade mas voltou à condição de vilão pois mata, congestiona e polui. Para os apaixonados, quanto mais evolui, menor o prazer ao volante. A sinfonia do escapamento de um Ferrari, a sensualidade das linhas de um Porsche, o requinte interno de um Rolls-Royce, a imponência de um Packard, o charme de um Mercedes-Benz conversível, tudo isso vai se diluindo e abrindo espaço para novos materiais e combustíveis, para a eletrônica, aerodinâmica, controles computadorizados e avanços tecnológicos para torná-lo mais seguro, eficiente, “limpo” e eliminar aquele componente cheio de falhas entre o volante e o banco.
Por mais que tenha evoluído desde sua invenção, o automóvel ainda é totalmente irracional. Menos de 10% do combustível que se coloca no tanque chega em forma de energia nas rodas que o tracionam. O resto é perdido em atrito, calor, ineficiência e peso inútil. Menos de 10% do tempo útil de um automóvel é utilizado por seu proprietário. Nas outras 22 horas do dia ele está parado em casa, no estacionamento ou congestionamento.
Por tudo isso, ele vive hoje sua mais profunda transição conceitual. A começar pelas alternativas energéticas: combustíveis fósseis abrem espaço para outras fontes de energia. O motor a combustão interna dá lugar ao elétrico, muitas vezes mais eficiente.
A outra é mais que mudança, uma verdadeira reviravolta no conceito de sua utilização. Pois dentro de cinco anos os carros serão semi-autônomos. Dentro de dez ou quinze, o motorista estará abolido. As conseqüências são inimagináveis, a começar pela redução do número de automóveis em cada casa: basta um para atender as necessidades da família. Ou nenhum: é só chamar pelo celular…
Se taxistas já estão revoltados contra o Uber, imaginem o futuro dos manobristas e estacionamentos, pois não haverá mais carro parado na porta de restaurante ou do cinema. O espaço liberado nas ruas vai melhorar o fluxo do trânsito. Sem contar a redução da poluição, pois teremos menos veículos, quase todos elétricos.
Mais empresários e empregos vão para o espaço: com automóveis autônomos, o que será das auto-escolas? Ensinar o quê para quem? Computadores ao volante tornarão desnecessário o seguro, pois os acidentes estarão praticamente eliminados. O número de leitos em hospitais para atender vítimas de trânsito será drasticamente reduzido. Não haverá sequer necessidade de policiais nas ruas e estradas. E multas: essa “indústria” vai fechar as portas, pois será o fim do faturamento com infrações…
Se a moda pega mesmo, concessionárias também fecham pois os veículos serão vendidos diretamente para grandes frotistas (como o Uber) que os adquirem no atacado e administram sua utilização no varejo. E os financiamentos e consórcios?
As locadoras sobrevivem? Terão espaço no mundo da mobilidade compartilhada, do share, da carona pela internet?
Finalmente, as poderosas fábricas de automóveis vão sucumbir diante do computador e do celular? Ou, ao contrário da Olivetti e Polairod, vão se associar ao Google, Apple e Microsoft? Máquinas de escrever e fotografar se foram. Mas talvez a parceria da indústria automobilística com a informática seja inevitável pela complexidade industrial das linhas de montagem.
Por via das dúvidas, vou guardar meu antigo Puma GT, o de motor DKW. Mas, será que terei gasolina no posto para curti-lo? Aliás, os postos vão sobreviver?
BORIS FELDMAN
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