O motor grego....
Nos anos 70 eu ia a Sampa e tinha que comparecer ao Vaticano, a Boca Maldita do Motociclismo ali pela Av. Rio Branco. Naquela zona se misturavam mocinhas carentes e motocicletas eróticas....um cheiro de Castrol R no ar como se fossem as emanações de uma fêmea no cio, de vez em quando um motor revoltado pegava e urrava seu grito de revolta contra o estabelecimento, ou tudo que se chamava de moral e cívica nesses tempos de democradura...
Uma loja que beirava um cine pornô era a de Luiz Latorre, o velho italiano ruivo que foi a alma e a espinha dorsal da marca Ducati nesses anos. Loja grande na Rua General Carneiro, tinha dentro dela um BMW 700 cupê, um carrinho pequeno e lindo que usava um motor boxer de moto totalmente cercado de motos alaranjadas de um e dois cilindros cujo principal apelo à fama era ter um comando de válvulas totalmente diferente de qualquer outra moto e de quase todos os carros. Inspirado pelos Mercedes de pós-guerra, o Ingegnere Fabio Taglioni desenhou um sistema em que o comando era acionado não por uma corrente ou correia como se faz hoje, mas uma árvore que engrenava por um par cônico no virabrequim e subia pelo lado do cilindro. Isso era obrigatório por seu sistema de comando das válvulas, que não tinha molas de retorno depois que o came principal a abria. O comando tinha um outro came que fechava a válvula de volta ao seu assento depois de sua missão e introdução ou escapamento estava cumprida: era o famoso sistema DESMODRÔMICO, cujo nome vem da junção de duas palavras gregas. DESMÓS E DROMÓS, ou movimento simétrico.
É fácil perceber duas coisas de cara: a regulagem de válvulas era obra para relojoeiro tal era a precisão demandada por um sistema que não podia ter folga, além da força mecânica necessária para fazer precisamente esse entra e sai. O contravalor era um motor que ia a rotações astronômicas sem flutuar válvulas e qualquer criança na minha rua do bairro do Flamengo sabe que se gira mais, entra mais mistura e sai mais potencia e prazer de tocar. Essa moto era a famosa 350 Desmo, que aterrorizou as pistas no começo dos anos 60 com um motor de quatro tempos e resistiu até a chegada do trem de ferro japonês na forma e na fumaça das TZ e de Giacomo Agostini.
Eram motos leves, ágeis, duras e difíceis de pilotar. Exigiam a grande arte de andar no fio da faca a um passo da eternidade sempre confiando que ela ia fazer a próxima curva apesar do esfíncter trancado a chave e o grito ecoando dentro da cabeça, ai, isso vai doer, não vou conseguir fazer, eu vou cair e ponto final.
Eram motos leves, ágeis, duras e difíceis de pilotar. Exigiam a grande arte de andar no fio da faca a um passo da eternidade sempre confiando que ela ia fazer a próxima curva apesar do esfíncter trancado a chave e o grito ecoando dentro da cabeça, ai, isso vai doer, não vou conseguir fazer, eu vou cair e ponto final.
Mas no final o espírito BOLOGNESE que protege os que nele se sustentam e aceleram salvava a situação, causa de longos e múltiplos suspiros de alívio... freio era mais uma intenção do que uma realidade, e rápido era o aprendizado das artes do freio-motor e do uso da caixa. Conforto era uma vaga lembrança nas brumas do passado, com seu banco quase metálico, os dois pedacinhos de guidão dependurados nos tubos do garfo quase rígido. E a fome de acelerar, a sede de engolir quilômetros sem fim contra tudo e contra todos, de pensar com desgosto na hora de fechar o gás pois a vibração do motor já tinha transformado o cérebro em uma massa pastosa que só sabia querer mais gás, punho aberto ao infinito...
2 comentários:
Mahar, todo mês eu compro a revista da moto, e a primeira reportagem que eu leio, são as suas historias, eu me identifico com elas pois tenho 43 anos, e comecei a andar de moto com 13 anos e não parei mais.
Parabéns...
Não era uma destas que o Candeias tinha?
Onde será que foi parar, não era só ele que tinhas no RJ umas destas Ducatis.
Um abraço,
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