domingo, 10 de julho de 2011

O PITACO DE PITÁGORAS E A POLÊMICA DOS PREÇOS

Por Fernando Calmon




Os preços dos carros no País são influenciados – de forma permanente – por três fatores: impostos, Custo Brasil (visível e invisível) e as variações cambiais. Mas há gente que prefere atribuir os altos preços, em artigos pela internet, apenas ao Lucro Brasil.


O que é custo invisível? Entre vários outros, estradas em petição de miséria. São as mais caras do mundo, recolhem pedágio para os bolsos errados mesmo sem as cancelas e encarecem os carros com reforços estruturais e elevação da altura de rodagem, o que aumenta o arrasto aerodinâmico, o consumo de combustível e as emissões.


Comparar, porém, custos visíveis exige uma moeda de conversão, dólar ou euro. Anote essas diferenças:


a) Custo total de produção de veículos no Brasil: 60% maior que a China e 33% superior ao México.


b) Hora da mão de obra com ônus diretos e indiretos: 340% superior à Índia e China; 104% mais cara que o México.


c) Água industrial: 97% mais alto que o México; 900% mais cara que na Argentina.


A fonte é a empresa internacional de consultoria PricewaterhouseCoopers, estudo de 2010. Claro, sempre a “maioria” vai achar que o Lucro Brasil anula tudo isso com folga. Mas não provam, porque lucro é a diferença entre preço (possível) de venda e os custos, abatidos os impostos.


Aliás, muitos aqui adoram a teoria da conspiração. Balanço financeiro que mostra lucro elevado só pode ser exploração do povo, não importando se a empresa perdeu dinheiro no passado. Se revelou prejuízo, deve ter sido fraudado para esconder o lucro.


Vamos à discussão cambial. O real não é moeda conversível. Então é preciso eleger o dólar como referência, utilizado nas transações e comparações no mundo.


Suponha que a moeda americana valesse R$ 3,00 e não R$ 1,55 como agora (já esteve em quase R$ 4 no final de 2002). Um Mille custaria US$ 7.333,33 com toda a carga fiscal brasileira. O carro mais barato nos EUA começa em torno de $12.000 (lá o frete é cobrado à parte). Mas se enfrentasse a mesma carga fiscal direta brasileira custaria US$16.000, no mínimo.


Em matérias jornalísticas é comum informar preços em reais no exterior, mas o cálculo sempre tem que passar pelo dólar. Pode-se comparar o Corolla nos EUA e no Brasil, quase iguais. No câmbio atual, o americano custa R$ 28.000 e o brasileiro, R$ 67.000. Chocante, mas se o dólar estivesse, como em dezembro de 2008, a R$ 2,53, o Corolla americano valeria R$ 45.000 e a R$ 3,00, R$ 54.000. E mais, igualados os tributos, o Corolla de lá sairia mais caro que o daqui, apenas pelo efeito cambial, esvaziando essa discussão meio tola.


Fator Big Mac (moeda fictícia FBM$). O Big Mac custa aqui R$ 9,50. Nos EUA, US$ 3,49 mais 8,25% de imposto ou US$ 3,78. Para comprar o carro mais barato lá, o americano gastaria o equivalente a FBM$ 3.174 e no Brasil, FBM$ 2.315. Por esse critério neutro, um automóvel de entrada é mais barato no Brasil do que nos EUA. Obviamente não estou comparando equipamentos nos veículos e sim a capacidade do cidadão se motorizar. Quem discordar, escreva uma carta para Pitágoras no Além. Criador da matemática, ele se foi desse mundo em 497 a.C.


E quanto aos impostos incidentes sobre veículos no Brasil estudo feito em 2007 (com dólar menos desvalorizado) por uma consultoria especializada em comércio exterior, resume: um carro que chega aos portos brasileiros por US$ 10.000, por exemplo, aparece nas lojas por US$ 30.571 depois de todos os impostos, custos e margens.


FORMAÇÃO DE PREÇOS DE VEÍCULOS IMPORTADOS


IMPORTAÇÃO DIRETA




CUSTO DOS PRODUTOS IMPORTADOS % %


CUSTO DE AQUISIÇÃO


- FOB US$ 10.000


- Frete marítimo US$ 700


- Seguro 0,16% 17


- CIF US$ 10.717 100,00 35,06




CUSTO DE IMPORTAÇÃO


- Imposto de importação 35% 3.751 35,00 12,27


- IPI 25% 3.617 33,75 11,83


- ICMS 12% 2.466 23,01  8,07


- Marinha mercante 25% 17.516,3  0,57


- Custo de despachante US$ 1.000,93   0,33


- Armazenagem para desembaraço 0,25% 540,50 0,18


- Movimentação no porto US$ 500,47 0,16


- Outros custos de operação * US$ 1000,93 0,33




CUSTO LOGÍSTICO


- Frete para armazenagem US$ 2502,33 0,82


- Preparação para venda US$ 151,40 0,49


- Frete para distribuição US$ 2502,33 0,82




CUSTO PARA COMERCIALIZAÇÃO


- Margem do importador 9% 9008,40 2,94


- IPI s/ margem 25% 2252,10 0,74


- ICMS s/ margem 12% 1081,01 0,35


- ICMS substituto 12% 4894,56 1,60


- PIS/Cofins monofásico 8,26% 1.351 12,61 4,42


- Margem do concessionário 11,45% 3.500 32,66 11,45




CUSTOS OPERACIONAIS


- Marketing US$ 800 7,46 2,62


- Custo Financeiro US$ 1501,40 0,49


- IR / Contribuição Social *** 34% -731 -6,82 -2,39


- Despesas Gerais ** US$ 2.000 18,66 6,54


- CPMF 0,38% 99 0,92 0,32




PREÇO DE VENDA CONSUMIDOR US$ 30.571 285,25% 100,00%




* Custo relativos a OGMO, Taxa SISCOMEX, Registros, etc.


** Folha de Pagamento e Despesas Administrativas


*** IR / Contribuição Social negativo significa prejuízos operacionais




Carga Tributária Total (Sem Encargos Trabalhistas ) US$ 12.106 112,96% 39,60%


Nota do Editor:
As opiniões acima são de exclusiva resposabilidade do autor

9 comentários:

Anônimo disse...

Boa Noite.
Achei muito interessante o levantamento - comparações - que você fez. Será que existe um parecido como esse com relação aos salários e com os descontos que são efetuados . E o Imposto de Renda sobre salários? Haveria uma tributação do tamanho igual ao nosso IR?
Abraços,
Sergio

Alexandre Cruvinel disse...

O que mais incomoda não são os preços em si, porque aqui ainda temos a vantagem do carro desvalorizar bem menos que em outros lugares, mas a dotação de equipamentos. Não cabe mais lançar um Bravo top de linha e ainda tentar tomar mais 10 mil do comprador com opcionais que custam barato para o fornecedor e são obrigatórios num carro dessa faixa de preço.

Vale lembrar que o concessionário também terá que trabalhar com margens maiores do que lá fora, porque também paga luz, água, IPTU, etc... mais caros do que em outros países.

Muito mais nocivo do que uma margem um pouco maior é o custo Brasil, justamente por ser quase sempre invisível.

Anônimo disse...

"Obviamente não estou comparando equipamentos nos veículos e sim a capacidade do cidadão se motorizar." Só que o cidadão americano recebe no mínimo 1000 dólares mensalmente, enquanto muitos brasileiros são remunerados entre 500 e 1000 reais, para comprar carros pelados de 24 mil reais. Os americanos podem comprar bons carros usados ou seminovos por muito pouco. O que o Cruvinel vê como desvantagem eu vejo como vantagem, pricipalmente no quesito "capacidade do cidadão se motorizar". Vocês jornalistas, engenheiros, profissionais libeirais e empresários (mesmo que pequeno ou micro) não sabem a realidade do povo brasileiro. Eu posso ser considerado um privilegiado no Brasil, passei em disputado concurso público e recebo quase 2 mil reais por mês + benefícios. É pouco, muito pouco para eu suportar o "custo Brasil", mas acima da média de remuneração salarial brasileira e bem acima da maioria da massa de trabalhadores. Pagar quase 700 reais de aluguel e IPTU para morar numa cidade do interior, numa casa de antigo núcleo habitacional, mal e porcamente reformada e ampliada pelo dono e em frente a uma favela não é razoável e leva boa parte da renda familiar. O problema do Brasil é que os custos são pensados por e para quem tem renda de, no mínimo, 10 salários mínimos e o resto que se lasque. Tenho carro "mil" 1998 e quando for trocar, será por outro usado. Desculpem o longo desabafo, mas ser cidadão brasileiro está muito difícil.

Anônimo disse...

Se o custo de produção no Brasil encarece o carro, por que o mesmo carro produzido aqui é MUITO mais barato no méxico? Os impostos não explicam tanta diferença (e pra lá ainda tem o frete).

Anônimo disse...

Bom... muitas variáveis no preço de um veículo em cada país, claro. Mas pra mim, o mais justo, é usar a moeda local, com o salário minimo local. Um Corolla, que no Brasil custa 67.000. O equivalente a 123 salarios mínimos. Se ele custa 18 mil dolares nos USA, e o salario minimo por lá é $6 a hora X 40 horas = 240 X4 semanas = $960. Portanto, o mesmo carro lá, custa 19 salarios mínimos. Respeita-se assim, diferenças de moeda, custo de vida,pib, etc, blablabla. Aí entra a injustiça, a chacota do governo brasileiro. Ganhando 5 salarios minimos, um americano precisa de 4 meses para compra um carro, que nós precisamos de 2 anos e pouco para o mesmo.

Cristiano Mendonça disse...

Custo Brasil e lucro Brasil são as questões a serem reformuladas. Na minha humilde opinião, se o imposto a ser pago contivesse um fator que discriminasse valor agregado e penalizasse valores agregados fora do razoavel, talvez pudéssemos ter uma contribuição (entre outras coisas) para cair os impostos, e o benefício chegar ao consumidor final, sem ser absorvido pela industria e comercio,ficando preservada a massa de receita pelo aumento das vendas. Me parece que da mesma forma, o Brasil enfrentou uma cultura da inflação que criava viés para realimentá-la, temos o mesmo trabalho pela frente em relação ao binômio custo/lucro brasil.

Ricardo Montero disse...

Ou seja, tantao plavrório apenas para livrar a cara dos fabricantes, que - coitados - foram crucificados pelo Joel Leite e nada tem a ver com o custo abusivo dos automóveis no Brasil. Por sinal, quem forneceu os números utilizados nas suas contas? A Anfavea?

Mas enfim, só gostaria que você me explicasse porque, de uma tacada só, o preço do Tiguan foi de R$125 mil para R$100 mil. Ou porque do dia para a noite a mesmíssima Renaul Grand Tour caiu de R$58 mil para R$48 mil. E por fim, a grande questão: por que o preço de um carro brasileiro na Argentina é inferior ao carro barsileiro sem impostos?

Abs, Ricardo Montero

Anônimo disse...

É pessoal, tá difícil.
Linhas e mais linhas, contas e mais contas para tentar explicar a roubalheira.
Este é um País de espertos. Quanto mais chances de "se dar bem", melhor para os safados.
E safados são todos. Bandidos, empresas, governos.
Povo é só um título de eleitor.
Acordemos !!!!

Anônimo disse...

Ricardo (homem-baile)
Você tocou em outro ponto-chave. Em quantos produtos vemos descontos de até 70% e duvido que mesmo assim o lojista não tenha lucro. E quem produz a riqueza ganha o salário mínimo ou o piso da categoria, nada mais que isso, gerando nossa famosa (e uma das maiores do mundo) desigualdade social.

Lembro que o SLK iria ser lançado por um valor estimado (se não me falha a memória) de 90 mil dólares, mas foi lançado dor uns 110 mil. Por quê? Será que fizeram estudos errados para chegar aos 90 mil? Claro que não. Devem ter feito estudos com o público-alvo, analisado o mercado e descobriram que venderiam bastante mesmo com o preço inflado. Coitadinhos dos fabricantes e importadores.