sexta-feira, 11 de novembro de 2011

PUNTA TACCO BY ROBERTO AGRESTI





Supercarros para superpilotos        



Uma visão crítica sobre monstros de 500 cv que, quando chegam a mãos erradas, se transformam em objetos bastante perigosos
Começo agradecendo aos generosos leitores que me direcionaram mensagens elogiosas pela avaliação do Audi RS5, publicada na edição de aniversário de nosso Best Cars. E sem falsa modéstia afirmo que quem tem que agradecer sou eu a quem deu ouvidos a minhas considerações, e ainda gostou delas. Aproveito também para agradecer ao fotógrafo Paulo Keller pelas lindas imagens e ao editor Fabrício Samahá, por me oferecer muitos "filés" como esse Audi desde quando aqui comecei a colaborar, convidado pelo já lendário (admirável mestre e amigo!) Bob Sharp. É muito mais fácil escrever sobre algo muito bom e acima da média do que sobre algo insosso, comum, sem "tchans".



É claro que agradecimentos também merece a Audi e outras tantas marcas que confiam seus carrões a avaliações nem sempre tranquilas, como essa do RS5. Todavia, não é para ficar jogando confete em leitores, editores, fabricantes e amigos que semana sim, semana não, faço Punta-Tacco — e sim para falar de carros, ou supercarros, do tipo desse muito azul Audi RS5 que tive a honra e o prazer de guiar.




Automóveis do patamar do RS5 — quase tão potente quanto o Ferrari F40 que, 20 e poucos anos atrás, era o carro mais veloz do mundo — podem ser chamados de supercarros, e não é à toa. Super no preço, no acabamento, na exclusividade, na potência e... na capacidade que exigem de quem se senta atrás do volante, liga o motor e se dispõe a testá-lo. E na frase acima está, sem modéstia, embutida a afirmação de que não sou um coió de argola ao volante. Nunca fui. No dia em que tive a chance de guiar um carro de verdade, eu já sabia exatamente como se fazia. E continuo sabendo.



Gênio? Não, apenas 110% interessado no tema.



Desde quando meu tio Antônio descia a serra do Mar, me levando ao Guarujá para as férias de verão a bordo de seu também muito azul (e branco) Chevrolet Bel Air 1952, eu observava atentamente o que ele fazia. Tinha talvez menos de cinco anos e já era fascinado por veículos. Todos, frise-se: motos, carros, caminhões, navios, trens, aviões.



Na garagem do prédio praiano, gastei horas e mais horas de minha infância entrando em carros alheios e observando detalhes de cada um deles — e, é claro, brincando de guiar. Era um tempo em que as pessoas deixavam os carros abertos, e na garagem, além do Bel Air do tio, tinha o que havia nas ruas naqueles anos 60 e 70: Aero-Willys, anônimos Fuscas, Rurais, DKWs, Galaxies, Simcas e — oh, glória! — até um Porsche 914 verde, cujo dono não só o deixava aberto, como sem capota. Carros inesquecíveis! Nesse "garimpo" de verão, meu ponto alto foi uma temporada em que um playboy, filho do dono ou dono de uma butique famosa na Rua Augusta (Tobb's, talvez?), apareceu por lá com um Maserati Merak cinza com interior caramelo. Uau!
Fanático assim, é claro que, quando tive a chance de guiar, guiei. E para horrorizá-los, digo: minha primeira vez foi com uma Kombi.



Vestibular de acesso



Desço de meu sonho de infância e retomo o fio da meada, direto ao ponto, perguntando: será que quem compra supercarros como o Audi RS5 sabe mesmo o que fazer com aquela cavalaria toda? Outra pergunta: não seria o caso de se estabelecerem alguns degraus, uma espécie de vestibular de acesso ou "atestado de competência", a quem adquire um canhão desse naipe? Na minha opinião, sim.



Ninguém com o mínimo bom senso pode pensar que sair acelerando um carro desses seja fácil. Guiá-los é até fácil, por conta dos muitos automatismos e da enormidade tecnológica embarcada, mas supercarros tipo RS5, Porsches, Ferraris, Lamborghinis e outros dessa casta não são feitos para serem "dirigidos" e sim "pilotados". E aí é que mora o perigo.



É certo que uma grande parcela de quem pode se permitir esses carros, que custam tanto quanto excelentes apartamentos em bairros nobres, compra-os para desfilar. Nada contra exibir bom gosto, e um carro desses estacionado no clube ou na porta do restaurante equivale a usar um terno bem cortado, um relógio dos bons ou andar de braço dado com uma belíssima mulher. Atrai olhares de inveja, admiração e, dizem, inclusive bons negócios. Dinheiro atrai dinheiro...



Pobre destino, aliás, esse da maioria dos supercarros, o de serem usados como penduricalho, acessório do ego, e não como instrumento de prazer por mãos que entendem do riscado. Mas, e quando o possuidor de tanto bom gosto resolve acelerar seu bom gosto numa rua ou estrada? Quantos desses terão a capacidade e o discernimento para dominar muitos cavalos e saber como e quando frear?

Vocês talvez tenham lido por aqui minhas considerações sobre a ridícula forma pela qual a CNH — Carteira Nacional de Habilitação — é concedida em nosso país. Critiquei e critico tudo: o que ensinam, como ensinam e, é claro, a malandragem para burlar até mesmo as mais pífias avaliações práticas e teóricas, o que todos sabemos que existem. Pois bem: nada impede, legalmente falando, que minha filha Giovanna, meu oposto exato (interessa-se bem pouco por guiar), assuma o volante de um Bugatti Veyron de 1.001 cv. Ora, ela conseguiu passar no exame e tem uma CNH. E sem saber dirigir, acrescento.



Considerações tipo "casa de ferreiro, espeto de pau" à parte, o que pretendo é jogar alguma luz sobre um problema que imagino crescente, oriundo de um tão esperado bem estar financeiro que nos faz ver — ao menos aqui em São Paulo, onde moro — cada vez mais e mais supercarros circulando nas ruas. Arrisco a dizer que é possível ver mais Ferraris em São Paulo do que em uma viagem pela Itália.



Será que quem guia esses Porsches e Ferraris — ou mesmo Camaros de R$ 200 mil, nem tão caros assim — sabe... pilotar? Estou certo que a maioria, não.
Não seria o caso de exigir de quem vende carros com potência acima de "x" que ofereça um desses cursos de pilotagem esportiva, que ensinam um be-a-bazinho da tocada de carros nervosos? Pois é, seria, e acho que até existe algo assim promovido por uma ou outra marca, mas com viés de "promoção e marketing", mais para fazer festinha e agradar compradores do que, de fato, para passar preceitos de segurança.

Enquanto esse quadro não mudar, não tem jeito: vamos ter de conviver com salames pouco talentosos armados de supercarros, e nos restará rezar para que eles se contentem com as aceleradinhas à beira-mar, ou diante do point da ferveção, e que não encontrem pedestres ou condutores inocentes em seu caminho.




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