sábado, 1 de janeiro de 2011

ROLLS-ROYCE SILVER WRAITH FORMAL CABRIOLET 1953

O Decano dos Clássicos Brasileiros

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Neste país que é capaz de relegar ao lixo ou às mãos gananciosas dos comerciantes as mais importantes peças de sua memória automotiva, é um verdadeiro milagre que tenham sido preservados não só um, mas dois dos Rolls-Royce que o Governo teve nos anos 50. Escaparam ao triste destino das limousines Cadillac 54 e Lincoln 48 ( com ar-condicionado de porta-malas ) da frota do Catete, que foram cortadas a machado por ordem de Diretora do Museu da República na época.



São dois Silver Wraith de 53 comprados pela Presidência ao Sr. Gastão da Veiga Filho, cuja empresa, a Bramocar, era importadora oficial da marca nos anos 50. O mais antigo é o Cabriolet Park Ward (VIN#LALW29 ) que estamos acostumados a ver nas cerimônias formais de posse e Sete de Setembro, desfilando garboso e imponente pelas largas avenidas de Brasília, enquanto o outro é uma limousine Mulliner fechada como todos os outros dois importados na mesma encomenda, e dotada de câmbio automático Hydramatic GM.



Aliás, esta limousine deu origem à lenda do presente da Rainha da Inglaterra, que até hoje cerca o Cabriolet. Seria até difícil que os carros fossem doados antes da coroação de Elizabeth II, pois foi quando chegaram ao Brasil, pais que devia os tubos na época à Inglaterra.


Os carros foram encomendados pela Presidência da Republica por intermédio de seu chefe de cerimonial e foram pagos por empresários da CNI, que os deram de presente a Getúlio. Custaram mais de 400 mil cruzeiros, o preço de um bom apartamento em Botafogo ou Vila Mariana ou de quatro Chevrolet do ano. Isto causou muita fofoca e controvérsia no Senado e na Câmara, orquestrada pela Banda de Música da UDN, a oposição feroz de Getúlio liderada por Carlos Lacerda, e os carros acabaram sendo pagos por amigos de Vargas.


Hoje em dia o Rolls está segurado em US$ 400 mil, soma justa por sua carroceria muito especial. Um conversível é sempre mais valioso que seu irmão fechado, e no caso foi um dos derradeiros Rolls fabricados sob medida, com encarroçamento especial. Foi essa possibilidade que pesou na decisão de comprar os Rolls, já que os americanos se recusavam na época a fabricar conversíveis e quatro portas. O último desses carros foi a Cadillac 41, e alguns Buick e Packard, todos de pré-guerra. O último conversível de quatro portas foi o Kaiser de 52, mas aí já não era a mesma coisa: um carro comum. Mas há que lembrar os Lincoln do assassinato de Kennedy, em posteriores nos anos 60.

 O plano de Vargas era doar os carros ao Governo no final de seu mandato, mas foi atropelado pelo 24 de Agosto. Depois do suicídio do Presidente os carros continuaram com a chapa branca com que tinham sido emplacados por ordem de Vargas. Sua família reivindicou a devolução dos carros e, em 57 assinaram um acordo onde a limousine fechada voltava à família e o conversível ficava no Governo.


A limousine andou muito pela vida depois de comprada por Victor Costa e acabou penhorada no rolo dos Diários Associados, de onde foi leiloada e vive em S.Paulo na mão de colecionadores que se diz a alugam para casamentos...


Mas ainda existe mais uma limousine fechada Wraith que consta ter sido comprada do serviço do Embaixador de Sua Majestade na Argentina, já no fim dos anos 50.


A limousine foi destinada ao uso do Itamarati e ali viveu caindo aos poucos no esquecimento, até chegar ao seu estado atual, parada por não ter freios, sem poder sair da Garagem da Presidência, onde aguarda restauração em mau estado de conservação. No Brasil ainda existem mais algumas delas.

 Das restantes limousines outra delas, de cor preta, foi comprada por Ricardo Jafet, o presidente do Banco Do Brasil. Foi dada de presente à família Maluf, onde durante muitos anos serviu a D. Maria Maluf. A outra, de dois tons de cinza, pertence até hoje à família Peixoto de Castro, todas importadas pela Bramocar.


Uma vinheta interessante é a que fala do horror dos técnicos da fábrica britânica à solução que o Gastão deu ao crônico superaquecimento dos Wraith e Silver Dawn que vieram para cá, todos com o motor de 4,25 litros. A adaptação de uma bomba d´água de Buick 39 foi usada para aumentar o fluxo de refrigerante pelo bloco, bem de acordo com as estreitas relações que Sir Henry Royce mantinha com Maurice Olley, o Chefe da Engenharia da GM americana. Essa amizade também resultou no uso de câmbios automáticos Hydramatic pela Rolls, e tempos depois na adoção de condicionadores de ar da Harrison e Frigidaire nos carros de Crewe.






O Twenty e a história do Silver Wraith






Mas o nosso assunto é o Cabriolet, e dele vamos contar um pouco da história: Nos anos 20 a Rolls percebeu que os tempos mudavam. Começava a haver uma sombra de maioria trabalhista no Parlamento, o boom de vendas depois da primeira guerra acabara e Claude Johnson, Diretor Comercial da Rolls, percebeu que o lobo rondava a porta do vetusto fabricante. Daí recomendar a Henry Royce que projetasse um carro menor, que desse menos na vista e custasse a metade do preço de um Phantom.



Apresentado em Outubro de 1922, o 20 HP (potência fiscal) contestava muitas coisas que eram tomadas por definição no Phantom: monobloco no motor ao invés de dois blocos, válvulas na cabeça e cabeçote removível, ignição Delco por bobina e bateria e, heresia das heresias, comando central do câmbio de três marchas. Essas características levaram a fina flor do pensamento automotivo britânico da época a achar que o novo Rolls não passava de um carro americano barato: de fato o cambio dos Rolls manteve-se à direita do motorista nos carros de direção inglesa até o advento do cambio Hydramatic GM, em 52, quando então passou para a coluna de direção com um comando elétrico que selecionava as marchas. Isso facilitava a instalação de um câmbio americano cujo seletor estava à esquerda da caixa em carros de direção à direita. Essa profunda modificação dava a Crewe o direito de dizer que o câmbio era Rolls-Royce... É bem verdade que também foram instalados discos de embreagem mais suaves para evitar o tradicional tranco dos Hydramatic...

 A caixa do modelo posterior, o 25 HP, passou a ter 4 marchas. O 20 HP tinha 3.127 cm³, e seus 53 cavalos de força permitiam que fossem obtidos 100 km/h se a carroceria fosse leve o suficiente.


 O motor do 20 HP teve muita significação na nossa e na historia da Rolls-Royce por ter sido a base de todos os motores de pré e pós-guerra até 59, quando foi lançado o V8. Ele foi sendo desenvolvido ao longo do tempo e terminou sua carreira com 4.887 cm³ e 178 cavalos em 1959, no Silver Cloud I. As únicas dimensões a serem conservadas ao longo desses 37 anos foram a distância entre os centros de cilindro, 4.150” ou 105,4 mm, escolhida para permitir boa refrigeração, e o curso de 114 mm, mantido na serie inteira, que englobava unidades de quatro, seis e oito cilindros em linha. O oito em linha ( 5.675 cm³ e 200 hp ) serviu para muitos veículos militares e de combate a incêndio, alem de mover o Phantom IV, o mais raro de todos os Rolls, com 17 carros construídos entre 50 e 56. Um deles serviu ao Generalíssimo Franco na Espanha


O sucessor foi o 20/25 HP de 1930, 3.667 cm³ e 70 cavalos, possibilitando 120 por hora nas carrocerias mais leves. Este foi o passaporte para que a Rolls sobrevivesse à Depressão de 29, sendo fabricado ate 36, quando foi substituída pelo 25/30 HP. Seu motor de 4.257 cm³ e 115 cavalos foi o animador dos Wraith de pré-guerra e pós-guerra, assim como os Bentley Mk VI, os primeiros produtos da Rolls com carrosserias feitas pela Fábrica. Nessa altura a Rolls tinha comprado os encarroçadores H J Mulliner e Park Ward, posteriormente aglomerados em uma só empresa coligada que ficou conhecida pela sigla MPW.

O último dos descendentes do Twenty foi o Silver Wraith de 1939. O motor era o mesmo com válvulas maiores, que lhe deram uns 15 cv a mais. Porém a diferença marcante foi a adoção de suspensão dianteira independente como a usada no Phantom III desde 1933: triângulos desiguais superpostos, molas helicoidais e amortecedores de bracinho Armstrong, uma das mais finas tradições inglesas.






O Pós-Guerra






Construídos na nova fábrica de Crewe, erigida em 38 para aliviar a planta de Derby, os novos Silver Dawn de 1946 tinham uma grande diferença dos seus antecessores: a carroceria toda em aço dos Bentley Mk VI. Começava a acabar o tradicional método de chapa de alumínio cobrindo o esqueleto de madeira de carvalho, muitas vezes totalmente inadequado para os mercados de exportação e seus climas frequentemente úmidos.


Nosso Wraith tem um pouco mais de potência que seus antecessores, coisa de 120 cavalos para 4.566 cm³, que são suficientes para levá-lo até 150 por hora e acelerar de zero a cem por hora em 17 segundos, performance de um 1.000 cm³ atual. Mas os Bentley tinham mais potência por ter dupla carburação, chegando a 175 cavalos nos modelos R Type, de 54.






Andando com a Catedral rodante


A Autocar inglesa está certa quando diz que ele é user friendly: a embreagem é um doce de macia e precisa, o câmbio manual na coluna (como eram os modelos manuais de exportação) é uma manteiga. O esquema de marchas é igual ao da Mercedes-Benz sua contemporânea e merece um reparo para restaurar a precisão do seletor, enquanto a direção é leve e com desmultiplicação razoável. Um carro convencional, mas extremamente bem desenhado e fabricado.


O problema para o repórter, de avantajada compleição física, foi a proximidade entre volante e banco, que é fixo devido à divisória que separa os dois compartimentos e limita o espaço no banco dianteiro, apertando um pouco. O Rolls realmente desliza no asfalto, mostrando por que custava tanto: é fácil sentir o esmero da construção. O pesado automóvel comporta-se como seria de esperar de um símbolo da qualidade da manufatura britânica, sem fazer qualquer ruído de motor mais pronunciado e com suavidade de marcha difícil de igualar até em carros atuais.


Note-se que o rádio está no banco traseiro, do lado direito, e que há um relógio e velocímetro no anteparo entre os dois compartimentos, o que permite saber o que o motorista está fazendo ao volante.


O interior é tradicional, com toda a madeira que se pode esperar de um Rolls, enquanto os estofamentos são em couro, já refeitos no Brasil, na restauração bancada pela Rolls-Royce do Brasil.


Eles destoavam um pouco em qualidade daqueles da limousine, que ainda são do couro original Connoly, em péssimo estado de ressecamento, todo rachado. A madeira do interior também estava merecendo um envernizamento, ao passo que a pintura estava rachada em alguns lugares discretos.


Foi nesse ponto que a Rolls-Royce do Brasil, que tem múltiplos interesses no nosso mercado, patrocinou na RE Restaurações uma primorosa reforma infelizmente só estética. Esta renovou completamente o carro, refazendo todo o interior em couro original, pintando perfeitamente a carroceria de alumínio e recromando tudo que estava com as marcas do tempo. Deixou para trás os problemas do cansaço da idade e do trato pouco refinado que ele teve ao longo dos anos. Um exemplo pratico disso é o sistema de freios. Ali, no lugar de seu sistema misto de cilindros hidráulicos na dianteira e varões para as rodas traseiras, foi instalado um equipamento nacional que mistura peças de Opala, Kombi e Mercedes 608. É bem verdade que quando dirigimos o carro o sistema funcionava bem, sem a excessiva pressão que seria de esperar de um sistema original. A causa disso é que a assistência era por um servo instalado na árvore de transmissão, que perdia sua eficiência em baixa velocidade, quando o cardan estava girando devagar.
 Outro detalhe que estava merecendo atenção era a suspensão dianteira. É notória a cambagem negativa que ali existe, claramente visível nas fotos do ensaio da posse. Certamente por causa de rótulas gastas que vão um dia desses mostrar sua feia cara desmontando em uma ocasião oficial. Agora fala-se  em uma restauração mecânica ordenada por Lula, mas de qualquer forma o carro tem sido bem conservado pelo Museu do automóvel de Brasilia, que o lima e dá polimento quando necessário. E ainda querem destruir o Museu para guardar papel velho da Rede Ferroviária Federal... 


Mas o que importa é que o carro foi ao menos preservado, apesar de sua imagem ter sido manchada pelo problema de ignorância do motorista, pouco afeito a carros de luxo, na rampa do Congresso. Afinal só um Hummer poderia arrancar naquela subida íngreme com oito pessoas a bordo, depois de parar. O resultado foi uma embreagem renitente que deve ter sofrido muito pelo sobre-esforço a que foi submetida, mas nada que uma boa restauração mecânica não resolva. É fácil já que todas as peçam existem numa concessionária chamada Jack Barclay, em Londres. Ali está todo o estoque de peças dos modelos de seis cilindros desde que a fabrica deixou de fabricá-los. Só falta o devido respeito mecânico que a velha Dama merece.


9 comentários:

LD disse...

Mahar,
Brilhante texto histórico ! Abr, Luiz

Henrique Rodriguez disse...

Gosto de ler textos assim porque sempre aprend muito sobre carros do passado. É até um pouco melancólico ver que carros de luxo eram feitos de modo menos "predefinido" do que hoje, mesmo com tantas opções de personalização.

Antonio Seabra disse...

Quando era moleque tive o prazer de conhecer o Gastão, que era amigo de meu avo e de meu pai. Era uma pessoa fantastica, admirável mesmo !
Infelizmente, ele nos deixou no ano que se findou.

Antonio

Unknown disse...

bela aula de uma das milhares de historias que o mundo dos automóveis escreveu e devem ser resgatadas como nesse belo texto.

Carlos Scheidecker disse...

Que espetáculo Mestre Mahar,

Sempre acreditei nas crendices populares em relação ao R&R e a rainha. Vou pedir para meu pai ler esse.

Como sabe andei muito com um Silver Wraith 1950 com câmbio manual na coluna. Era um Sedan. Coisas da minha formação graças ao meu pai.

Alexandre Zamariolli disse...

Caro Mahar,
Começar um novo ano é sempre bom. E, se for de Rolls-Royce, melhor ainda!
Feliz 2011!

Luby disse...

otimo texto Mahar, um pouco de historia não faz mal a ninguem.
abs
Helio

Unknown disse...

Será que o Rolls fechado não é esse que está a venda no link:
http://www.clubedofordinho.com.br/imagens/classificados-outubro-10/21-Rolls%20Royce%20Silver%20Wraith%20%201953---pronto.jpg ? É um Silver Wraith 53 como o mencionado na matéria.

José Rezende - Mahar disse...

não, pela cor deve ser o dos Peixoto de castro, que veio junto com os de Getulio.