Procura-se um aviador. Nem jovem nem velho, apenas antigo. Que tenha sensibilidade para lidar comigo e compreenda minhas manias, pois já estive à beira do desaparecimento e fui ressuscitado – ou restaurado – como dizem por aí... Cada novo pedaço de tela, cada nervura, representa cicatrizes dos lanhos de uma vida de voos e pousos, mais rangidos, estalidos e tendências deste meu corpo – ou fuselagem...
Meu piloto poderá falar quando quiser, mas, sobretudo, terá que saber escutar, ouvir e entender os sons que sou capaz de emitir: como o assobio do vento relativo nos meus montantes e estais; o ronco do meu fiel motor que, às vezes, espouca e tosse, com um bafo de fumaça azulada.
Procura-se um humano que compreenda meus códigos, que talvez sejam mensagens diluídas pelo tempo e remanescentes de aviadores antigos que me conduziram, ou a outros iguais a mim.
Procura-se um aviador que não se importe com meu cheiro de dope, graxa e gasolina, também não se melindre quando eu o respingar de óleo. Deverá ainda saber usar a bússola e ler uma carta seccional, reconhecendo referências no terreno, compensando o vento e mantendo a rota, sem precisar de mostradores elétricos. Este piloto decerto apreciará as pistas de grama e cascalho.
O aviador que procuro deverá saber extasiar-se com minhas antiquadas chandelles, tonneaux e loopings, apenas alegres e espontâneos bailados, sem pretensão a aplausos ou troféus.
Procura-se um aviador que tenha prazer de voar a qualquer hora, mas preferindo decolar ao nascer do sol, ou conduzir-me nas luzes mágicas do sol poente. Meu piloto será um saudosista por certo, sobrevivente do tempo em que um avião era um avião, e não um foguete com asas, recheado de automatismos.
Este piloto será tido como esquisito, pois será reservado e escondido, numa surrada jaqueta manchada de óleo. Será encontrado, junto com poucos iguais a ele, numa boa conversa de hangar.
O aviador que vier por este anúncio será aquele que procure poesia na aviação, que tem amor pela máquina.
Procura-se este aviador raro, que tenha carinho por mim, a despeito de minha idade, e que, principalmente, não permita que lhe arranquem o romantismo.
Interessados dirigirem-se ao Hangar da Saudade, no Campo dos Sonhos, procurar pelo velho, porém majestoso, North American Texan T-6, mais conhecido por “Temeia”. (Autor desconhecido)
4 comentários:
Este post me fez lembrar do saudoso Fernando Almeida, falecido há alguns anos num acidente aéreo.
Eu não o conheci pessoalmente, mas suas colunas nas revista Avião revue e Aeromagazine eram escritas com esta mesma paixão, e nos remetia a uma época de máquinas espirituosas e Homens desbravadores!
Parabéns, Mahar!!
Lindo! Adorei o texto e a foto!
Antonio:
O Fernando Almeida era um poeta alado...
Tive o privilégio de conhecê-lo quando trabalhava na Motor Três, um personagem interessantíssimo, um Ícaro moderno. RIP onde sempre viveu.
m
Mestre Mahar, lindo texto! Lembrou-me um texto do já citado Fernando Almeida, justamente voando um AT-6 para a Motor 3 (não vou lembrar a edição). Ele descrevia de um jeito que parecia que você estava junto dele no avião. Outros textos inesquecíveis foram o do J3, do Taylorcraft (que acho que ele comprou depois) e um do Bonanza (acho que o 35, com cauda em V).
Parabéns!
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