O Chambord brasileiro |
Nos anos 40, Teodoro Pigozzi, mais tarde conhecido como Theodore, ficou amigo da família Agnelli, donos da Fiat Italiana. Como nesses anos imperava um espírito protecionista entre os países europeus, muito longe do Mercado Comum, Pigozzi teve ideia de montar, com um processo simplificado de fabricação, dois modelos de Fiat: o 1100 de quatro portas sem coluna central, e o 500 Topolino, a obra imortal de Dante Giacosa. Comprou uma fabriqueta e começou a vender os carros com razoável sucesso.
Daí partiu para o Simca Aronde, do qual vieram muitos para o Brasil. Era um carrinho legal, andava bem para a época e tinha um motorzinho valente de 1.200 cm³ e 50 cv. O drama era ter uma fábrica para atender o mercado.
Corta para 1945 nos EUA: a Ford tinha planejado um carro pequeno para os padrões americanos da época, a ser laçado depois do fim da Segunda Guerra. Mundial Aproveitava o motor V-8 pequeno de 2,4 litros que nunca vendeu bem no mercado americano. Mas quando a guerra acabou os três anos de negação de carro novo fizeram um mercado vivamente comprador e aí Tio Henry preferiu lançar um Ford 1942 requentado em 1946. A GM tinha feito a mesma coisa nos dois casos: projetar um Chevrolet pequeno e requentar o Chevy 1942.
Ford Vedette: houve muitos no Brasil |
O Chevy pequeno foi mandado para a Austrália, onde virou o popularíssimo Holden FJ, avó do nosso Omega, enquanto o Ford foi para a França ser fabricado pela Ford Poissy, uma descendente da Mathis que depois foi conhecida como Matford. Produziam o Ford americano com poucas vendas por serem gastadores para os padrões franceses desse tempo e nunca foram um sucesso como os Ford Ingleses, bem menores e econômicos. Imagine vender um Ford na terra do Citroën 2CV e do Renault "rabo quente", o 4CV.
Quando foi eleito um presidente mais à esquerda, uma espécie de Brizola francês, Vincent Auriol l (avô de René Auriol, um famoso vencedor do Paris-Dacar original) Henry Ford II teve um acesso de anticomunismo macarthista e resolveu vender a fábrica de Poissy pensando que ela seria encampada pelo novo Governo. Ofereceram-na para as três grandes francesas (Peugeot, Renault e Citroën) da época e ninguém se moveu, pensando que ele ia fechar sozinho e sem gastos para eles.
um Cabriolet Chapron desenhado por Dan Palatnik |
Pigozzi, esperto como ele só, viu sua oportunidade de ouro. Foi a Dearborn e negociou com Henry Ford neto um arrendamento com opção de venda para ficar com a fábrica que precisava para vender Aronde de montão. Só uma pedra no sapato: ele tinha que continuar a fabricar o sucessor do Ford Vedette, o carro “pequeno” projetado nos EUA durante a guerra. Era o Trianon, uma versão inicial com 1.541 unidades já fabricadas do carro que veio a ser fabricado no Brasil como Simca Chambord. Isso era um problema. Ele chegou a montar uma versão para táxi com o motorzinho de 1.200 cm³. Imagine o desempenho de um carro de 1.300 kg com 50 cv... 90 km/h de final e uma ampulheta no lugar de velocímetro.. Meses acelerando... Mas pelo menos gastava pouco.
Simca Six, o Topolino francês |
Foi aí que Papai Noel chegou na figura do Almirante Lúcio Meira, o presidente do Grupo Executivo da Indústria Automobilística, ou Geia. Era encarregado pelo presidente Juscelino Kubitschek de implantar uma indústria de automóveis no país, mas teve pouco sucesso com os americanos GM e Ford, que estavam aqui há mais de 30 anos mas só queriam fabricar caminhões, tanto que o Galaxie só veio em 1967 e o Opala, em 1968. Foi a chave do sucesso. Transferiu-se a traquitana toda de fabricação do carro para São Bernardo do Campo e foram fabricadas mais Simca no Brasil que na França: 40 mil unidades entre 1958 e 1967, quando a Chrysler americana comprou a Simca francesa e veio para o Brasil ver o que tinha aqui, depois de longos anos de negação do mercado brasileiro.
Fiat 1100 é Simca Huit em 1949 |
Foram para a argentina, nessa época muito mais rica que o Brasil, e para o Perú. Quando os americanos chegaram aqui pararam tudo, despediram a diretoria inteira, o que dá uma ideia clara da qualidade de fabricação de um carro veloz, bonito e confortável que quebrava em cada esquina e foi cruelmente apelidado de “Belo Antônio”, um personagem de um filme que tinha problemas, digamos, hidráulicos em sua intimidade.
Reformularam tudo. Reformaram a fábrica e lançaram um modelo intermediário com base no último projeto Simca do Brasil, o Esplanada, enquanto não saía do forno o Dodge Dart. Mas isso é outra história.
Último Simca, o Chrysler Esplanada GTX 1967 |
8 comentários:
Não sabia disso tudo. Vivendo, lendo Mahar e aprendendo !
Salve Mestre Mahar
Saboroso o texto sobre o Simca que nasceu Ford e morreu Chrysler...
O "problema hidráulico" é um achado.
Parece que o Chambord (na versão feita aqui) foi desenhado por um italiano; para mim sempre pareceu um Chrysler mas hoje reconheço nele um esbeltíssimo Ford. Da primeira leva de "nacionais" era sem dúvida o mais bonito: o carro era uma festa para os olhos, incontáveis combinações de cor. Mas o motor "Aquilon" era o mesmo de 1934, será?
Só uma correção: "Um dos cabriolet feitos por Chapron, no Rio" é na verdade uma simulação que eu fiz. Mas ficou bacana, não?
Aprendi muito, mas o que mais gosto no Simca é aquele corpinho bicolor e o olhar irresistivelmente meigo...
Dan, eu sabia do Desenho e esqueci. tinha que dar o crédito... O motor era o de 1932, quando foram lançados os flatheads V8 da Ford: um 3,6 e um 2,2 litros. O pequeno nunca vendeu bem e foi descontinuado nos EUA em 1937. Menos de 2% da produção era equipada com ele. De fato era insuficiente até nessa época da carros mais leves com seus 60 cv. Na França foi um pouco aumentado e passou a 84 cv, potencia qeu manteve no Brasil até os Tufão de 1965 e depois os "Ardun" EmiSull de 140 cv, aí um carro emocionante...
Tive cinco desses carros que me trazem boas recordações . Eram confortaveis e andavam bem para a época . O problema era a qualidade dos materiais empregados, por exemplo, com 40mil tinha que trocar aneis pois queimava óleo e o sistema elétrico muito mal acabado.No restante era tão bom quanto qualquer outro naquele tempo. Aero, Rural , JK ,Karmanguia, Vemaguete, Gordini, Fusca e Esplanada .
Mahar,
Faltou dizer a marca que aqueles Ford franceses exibiam: Vedette e, mais tarde, Vendome. Não sei quais diferenças entre os dois.
Meu caro Watson, o nome está na legenda da foto... E o Vendôme era um modelo mais luxuodo.
Lendo esse ótimo texto do Mestre Mahar, lembrei de uma definição sobre a Simca que li há muito tempo: "Uma francesinha que flertou com o Casanova italiano e teve que casar na marra com o cafona americano".
Postar um comentário