Excesso: só de velocidade?
Vista como grande pecado pelas autoridades de trânsito, ela está longe de ser a única causa expressiva de acidentes e de vidas perdidas
O especialista em trânsito, entrevistado pelo jornal da noite, foi taxativo: a principal causa dos acidentes nas estradas é o excesso de velocidade. A CET, a polêmica Companhia de Engenharia de Tráfego da cidade de São Paulo, sustenta que a redução do limite de velocidade de boa parte das avenidas paulistanas de 70 para 60 km/h tem como principal objetivo a redução de acidentes.
Velocidade é, certamente, um tema polêmico. A brutal constatação prática de que uma colisão de um veículo contra um obstáculo fixo a meros 50 km/h pode, na maioria dos casos, causar a morte de um ser humano é real — e aterrorizante.
Quando viajamos nas melhores rodovias do país, manter os 120 km/h permitidos pode parecer maçante. Quem já passou dos 40 ou 50 anos de idade lembra bem quando o limite de velocidade nas rodovias do Brasil era menor, mas a permissividade, maior. Em vez do radar, da vigilância eletrônica, o vigilante rodoviário em carne e osso. Postado em lugar estratégico, punia alguns enquanto a maioria se safava. Época de carros bem menos potentes e seguros que os atuais, quando viajar pelo Brasil parecia paradoxalmente algo menos arriscado, e certamente era mais veloz.
De São Paulo ao Rio em algo menos do que quatro horas (com paradas), de Santos a São Paulo em 45 minutos (subindo pela Anchieta!) são frases que ouvi, criança e adolescente, nas rodas de adultos dos almoços de domingo. Se tive a chance de tentar tais atraentes insânias não vem ao caso.
Vem ao caso, sim, atribuir unicamente à velocidade excessiva a causa de acidentes, uma simplificação mais do que indevida, e que leva a uma visão blindada sobre segurança de trânsito. Resumir algo tão complexo como a segurança em ruas e estradas ao postulado veloz = inseguro, lento = seguro é algo primário, redutivo, que desconsidera fatores muito importantes para a segurança de todos os usuários de veículos automotores — sejam eles motoristas ou passageiros —, assim como dos circunstantes pedestres.
Velocidade cansa
Dirigir em uma rodovia alemã é um mito para muitos, pois lá, em muitos trechos dasautobahnen, não há velocidade máxima estabelecida. A experiência para quem vem do Brasil é certamente curiosa, pois logo se aprende que é necessário olhar quase tanto para os espelhos retrovisores quanto através do para-brisa ou da viseira do capacete. Aqueles faroizinhos distantes chegarão, na maioria dos casos, em poucos segundos. Ocupar a faixa da esquerda apenas para a efetiva ultrapassagem e, uma vez realizada, voltar para a direita é regra sacrossanta.
Mas não é apenas isso. A mecânica ritualística a ser seguida a ferro e fogo nas ultrapassagens nas autobahnen, a ser aprendida guiando por lá: aprende-se também que a alta velocidade, por mais que você goste dela, cansa e que, por melhor que seja o carro que se dirige e mais impecável seja a estrada, manter constantemente ritmos perto ou acima dos 200 km/h é, de fato, cansativo demais. Na perfeição rodoviária germânica, holandesa ou francesa — todos países de excelentes estradas em que dirigi —, manter 160 km/h, pouco mais, pouco menos, e fazer dessa marca um ritmo constante é o adequado. Na medida do homem — eu, no caso. Para você pode ser mais, ou menos, mas não muito mais nem muito menos.
E aqui? Os 120 km/h parecem de bom tamanho. Pudesse determinar uma alteração, não exageraria: talvez 130 km/h, nas melhores estradas, bem entendido. Nas cidades, 60 km/h estão quase ridículos para algumas avenidas, mas talvez 80 km/h — ou os 90 permitidos nas marginais paulistanas — pareçam adequados.
O que não me parece adequado é achar que a redução dos acidentes só é possível e viável fiscalizando velocidade, limitando-a e, pior, fazendo com que breves trechos de estrada tenham dois ou até mesmo três limites diferentes num espaço curtíssimo. Isso, sabemos, é ilógico. Isso, desconfiamos, é “pegadinha” de cunho arrecadatório, cada vez mais disseminada no Brasil.
Não quero de modo algum defender aqueles que, de maneira contumaz e recorrente, fazem da transgressão dos limites de velocidade uma espécie de jogo, decorando onde estão os radares e munindo-se de aparatos que os alertem sobre a fiscalização eletrônica. Todavia, não me parece correto apontar o dedo para apenas essa falta em nossa rotina de pecadores eventuais, percebendo que há outros graves pecados sendo cometidos para os quais não há punição ou, se há, é raríssima.
Enquanto escrevo estas linhas se dá a saída para um dos grandes feriados, do qual feliz da vida fugi, ficando quietinho em casa. O noticiário berra o de sempre: estradas abarrotadas, congestionamentos e lentidão. Na volta, daqui a uns dias, haverá mais do mesmo, acrescido dos tristes índices de acidentes. Ouvirei as estatísticas, e talvez o mesmo especialista em trânsito apareça na TV dizendo que “a principal causa dos acidentes nas estradas é o excesso de velocidade”.
E de novo pensarei como esse foco único, monocórdio, essa simplificação redundante e repetitiva vai nos prejudicar. E não porque eu queira correr mais do que é permitido, mas sim porque não quero ser ultrapassado pelo acostamento, não quero faróis ilegais me queimando a retina, não quero gente me fechando por não ter me visto por causa da película escura demais. Excessos que, não sendo de velocidade, parecem não merecer punição.
Roberto, depois de ter residido por 2 anos nos EUA, retornei ao Brasil 3 anos atras e desde entao tenho viajado todos os dias no percuso Campinas-SP-Campinas, e nos finais de semana em percursos bem variado, e concordo com voce que o grande problema dos indices de acidentes no Brasil nao e' a velocidade, e sim as diversas transgressoes que vemos todos os dias, e que se a Policia Rodoviaria e as demais "Otoridades" quisessem, poderiam retirar das estradas, ruas e avenidas e teriamos um transito bem mais seguro.
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