terça-feira, 18 de setembro de 2012

PUNTA TACCO COM ROBERTO AGRESTI



O mágico número 1.000
Como cilindrada, é para muitos depreciativo, mas pode significar alta tecnologia de acordo com os resultados obtidos



Com o “pé no porão”, como se usa dizer no meio automobilístico, fazia uma viagem de 1.000 quilômetros só para namorar no fim dos anos 70. Na época não tinha essa de radar para nos pegar em excesso de velocidade: radar era coisa de filme de guerra e ponto. O medo da multa não era tecnológico, e a guerra era mesmo visual: com o olho apertadinho tentava enxergar lá longe, no horizonte, o vigilante rodoviário (vamos, Lobo!) no manjado mocó de binóculo na mão, cronômetro na outra e sorrisinho sádico de “te peguei” na face.
Algumas vezes me pegavam — a estonteantes 100 km/h onde o limite era 80. Mas em uma ocasião quase beijei o guarda quando me disse que me pegou a 140 km/h no meu Fiat 147 com motor de 1.050 cm³. Cento e quarenta? Repita, 140? Mais alto, para o mundo ouvir!!!
Seria a glória se fosse verdade, para contar para os amigos, parentes, filhos e netos, emoldurar a multa e coisa e tal. Nos testes das revistas da época a velocidade máxima declarada do primeiro dos Fiats de Betim, como o meu, era algo como 136 km/h. Imagine.
Todo esse flashback me veio à mente nos últimos dias ao volante do Gol BlueMotion de motor 1.000, na rodovia dos Bandeirantes, com o “pé no porão” como nos velhos tempos, batalhando para manter uma velocidade razoável — aliás, bem para lá de razoável —, mas às voltas com um forte vento contrário e, na ocasião, o indispensável ar-condicionado ligado.
Sim, o número 1.000 gera lembranças. Vamos a mais algumas.
Lembrei também que li por aí algo que achei uma barbaridade: a Ford estaria receosa de lançar no Brasil seu fenomenal motor EcoBoost de 1,0 litro, a mais recente joia tecnológica da marca. Tal engenhoca, com três cilindros e turbocompressor — e com os tais 1.000 cm³ —, consegue “falar” mais de 125 cv , estando cotado para equipar nosso novo Focus. Na Europa até o novo Mondeo, mesmo carro que teremos aqui como Fusion, terá uma versão de entrada com o pequeno e valente EcoBoost.
Contudo, pelo que dizia a notícia, o consumidor brasileiro não gostaria de comprar um carro médio com motor “1.000″, aqui associado a motor de carro de pobre. Pouco importa que o motor tenha mais potência que os 1,6 e 1,8-litro da vida ou até que o 2,0-litros do Jetta básico. Santa ignorância!
Mais pensamentos: naquela mesma rodovia, uns aninhos atrás, me vi no comando de outro motor 1.000 — mas, em vez de “pé no porão”, fiquei é com a “mãozinha à tona”, uma vez que se tratava de uma moto. Na verdade, um míssil terra-terra disfarçado de motocicleta. Com a gracinha de menos de 180 kg de peso e quase isso de cavalos, manter os tais 120 km/h em sexta e última marcha significava quase andar na marcha-lenta. Veja só…
Números, números, números. Seja para quilômetros, centímetros cúbicos, cavalos ou velocidade, há sempre um fascínio pelo exagero, pelo excesso. O olho de qualquer criança quando começa a se interessar por carros ou motos vai para onde? Velocímetro, claro, e quanto maior foi o número que encerra a escala, mais fascinante será o veículo, certamente. Não é à toa que carrinhos comuns às vezes são graduados até 240 km/h, velocidade que jamais atingirão.
A criança, em especial o bichinho do sexo masculino, cresce, mas não deixa de ser criança: quer grandes números. De salário, de sutiã (do que vai dentro, claro), de motor, de tudo. E o 1.000, um “numerão”, pode não mais servir. Mil dólares? Mixaria! Carro mil? Miséria!
O paradoxo vai crescendo junto com a insatisfação e, de certa forma, os norte-americanos (também) são culpados disso. Eles e aquelas mulheres, as chamadas pin-ups, peitudíssimas, gostosamente exageradas. Eles e aqueles carros de impronunciável cilindrada, tão impronunciável que em vez de centímetros cúbicos eles expressam o tamanho com fator de redução, em polegadas cúbicas. O número fica menor, um “engana trouxa” que mascara motorzões de cinco, seis, oito litros de deslocamento. Arranjaram até um dizer para a deformação: “There’s no substitute for cubic inches”, ou seja, nada substitui o tamanho, a quantidade de polegadas cúbicas (ou de centímetros cúbicos) na busca de potência.
Concordo?
Sim e não. A preguiça faz o caboclo cometer desatinos, e um deles é arrancar potência dos motores na base de ignorância, do tamanho. Que me desculpem os amantes de Chevies, Fords V8, Hemis e correlatos: por mais lindos que sejam esses oitões e seus guturais rugidos, eles me comovem apenas relativamente. Ok, trata-se de uma deformação típica de quem passou anos indo de São Paulo a Araçatuba em um Fiat 147, pensam vocês. E eu digo: não, não é.
Certamente preferiria muito estar em um Maverick GT quadijetado, com seu estupendo V8 canadense de 302 pol³, ou num Charger R/T Moparizado, deixando rastros de fúria e faíscas a cada baixadão da Marechal Rondon ou da Castelo, e ouvir do tal guarda “você estava a 240 km/h”, a receber a notícia dos michos 140 km/h como justificativa de punição em papel amarelo. Certamente namoraria mais, e mais confortável. Ou talvez menos, mortão, tocando harpa no céu, ou a eternidade no pancadão sertanejo do inferno, vai saber…
Volto aos 1.000: não é nada emocionante o motor do Gol, agora chamado de TEC (tecnologia de economia de combustível), mas admito certa surpresa em ver como ele se comporta carregando os 1.000 kg — olhe o número aí de novo! — do conjunto máquina-alma que a dirige, despencando Bandeirantes acima ou abaixo. Meu emocionante 147, claro, tomaria um pau.
Moral da história? Sem moral. Mas com lógica, a lógica do menos é mais. Motores 1.000 de alta eficiência, como os empregados nas motos da categoria máxima do motociclismo, capazes de 250 cv e de durabilidade impressionante (devem durar ao menos três corridas, treinos inclusos!), são fascinantes, assim como tricilindro EcoBoost da Ford e o pequeno motor — não um 1.000, mas quase isso, um 1,4-litro — que me levou a fazer essa reflexiva viagem cheia de recordações. Um engenho estupendo da marca das quatro argolas, capaz de 185 cv e comportamento Jekill & Hyde, ou seja, manso quando necessário, raivoso quando preciso. Equipa uma novidade cuja avaliação você verá em breve por aqui.
Enfim, motores pequenos e espertos, de não importa qual época, são maravilhas da tecnologia, emocionantes exemplos de que quase sempre um bom 1.000 — pouco mais, pouco menos — vale mais do que mil palavras.

3 comentários:

Reynaldo disse...

Excelente post. Pois é, já perdemos muita coisa por conta de uma visão limitada do povo desinformado e que adora um flex.

Anônimo disse...

Caro Roberto há um problema maior que o "tamanho": brasileiro é relaxado na manutenção preventiva e inclusive nas trocas de óleo, vide a má fama dos VW 1.0 16V carregam até hoje de quebradores por causa dos proprietários porcos que botavam qualquer óleo, esculhambando o motor. Este motor VW na versão Turbo foi o motor mais moderno feito aqui, tinha até variador no comando de válvulas, fazendo que o motor fosse bom de baixa e de alta, mas descontinuado pela má fama causada por relaxo do consumidor.
O Ecoboost da Ford é um prodígio mas precisa ser bem tratado, com óleo sintético e manutenção no tempo certo e o brasileiro médio não se encaixa no perfil.

Anônimo disse...

No fim o que interessa mesmo não é o tamanho, deslocamento nem nada, é sentar atrás do volante e gostar.
Se é 1.000 ou um monstrão de oito litros, o importante é o motorista sair com um sorriso.
E aposto que muitos dos idiotas que torcem nariz para um motor como este ford, num teste cego, iam jurar estar dirigindo um bom quatro cilindros dois-ponto-zero como se convencionou dizer.